terça-feira, 30 de março de 2010

Palhinha da sexta passada - dia 26/03/2001

Manchete
PAIS DEIXAM FILHOS SOZINHOS PARA IR A FORRÓ
As cinco crianças, entre 1 e 9 anos foram encontradas por policiais
Jornal O Globo – O País – 08 de março de 2010

SAPATILHAS DE AÇO – DE CRISTINA FAGUNDES

MULHER: Você ta vendo? Eu falei pra vc dar o lexotan para elas antes de sair. Eu num falei?
HOMEM: Eu ia dar, eu juro que eu ia, só que eu não encontrei...
MULHER: Burro! Não sabe procurar nada! Agora a gente vai perder a guarda das nossas filhas! Ta vendo só o que você fez?
HOMEM: Mas eu não fiz nada!
MULHER: Exatamente. Se você tivesse dado o lexotan como a gente combinou elas iam ter ficado dormindo e ninguém ia descobrir que a gente foi pro forró...
HOMEM: ah ta, tudo eu. Tudo eu! E por que que sou sempre eu que tenho que dar lexotan pra elas? E vc que esqueceu elas lá na feira de São Cristovão?
MULHER: Eu? Quando?
HOMEM: No dia do Trio Forrozão.
MULHER: Ué, as crianças foram com a gente?
HOMEM: Acho que sim. Eram elas não eram?
MULHER: Ah Aloísio, como é que eu vou saber? Vc sabe muito bem que em forro eu só olho pra baixo, eu só olho pro pé das pessoas que é pra aprender os passos.
HOMEM: Ué mas eu também. Mas eu acho que a gente eram elas sim Gorete, que a gente até comprou uma sandalinha de couro pra mais velha...
MULHER: Que mais velha?
HOMEM: A Gonzagona.
MULHER: Quem?
HOMEM: Ih Gorete, deixa pra lá... olha a juíza aí.
ENTRA JUÍZA DE MENORES.
JUÍZA: Boa Tarde. Muito bem pelo que consta aqui no relatório vocês abandonaram as suas filhas para ir a um forró não é isso?
HOMEM: Abandonar, abandonar a gente não abandonou não...
MULHER: A gente esqueceu...
JUÍZA: Não foi o que disse a vizinha da casa em frente, olha aqui, de acordo com a senhora Aparecida Mexerica/
VIZINHA: (Surge evocando o depoimento prestado – é uma fofoqueira) Aqueles dois vivem largando as crianças pelos cantos para ir pro forró! Todo dia é isso. È forró, forró e forró!
JUÍZA: Eu devo informar aos dois que se ficar realmente comprovando o abandono de menores, que vocês vão perder a guarda das suas filhas.
MULHER: Não, pelo amor de deus Juíza! As nossas filhas não!
VIZINHA: È forro de segunda a segunda! No último São João eles esqueceram a menorzinha dentro de uma zabumba, a pobre teve que voltar a pé lá de Caruarú!
HOMEM: Excelência, a senhora não pode tirar as nossas filhas da gente!
VIZINHA: Eles nem sabem o nome das filhas! È só forró forró e forró!
JUÍZA: Dona Gorete, a senhora poderia me falar um pouco de suas filhas?
MULHER: Ah... (procura na mente) a Elba, adora um xote, é... e tem outra que ta aprendendo a falar... ela fica xaxa, xaxado, tão linda! Qual é o nome dessa Aloísio?
HOMEM: Nome? (começa a cantar a música do Fala Mansas) Escrevi seu nome na areia...
JUÍZA: Qual o nome dela?
HOMEM: ... o sangue que corre em mim sai da tua veia...
MULHER: (aflita- corta ele) fala, Aloísio, qual é mesmo o nome dela coração?
HOMEM: (canta) Oi Tum Tum, Bate coração, oi Tum coração pode bater...
JUÍZA: Vocês não sabem o nome dela?
HOMEM: (canta) Oi Tum Tum Bate Coração...
JUÍZA: Seu Aloísio pare de cantar e responda à minha pergunta. Como se chama a sua filha?
HOMEM: Oi Tum Tum Bate Coração.
JUÍZA: Oi?
HOMEM: (CORRIGE) Não, Oi Tum Tum Bate Coração.
MULHER: Mas a senhora pode chamar ela de Tum Tum também que ela atende.
JUÍZA: ... Hum, me parece que o forró tem uma importância realmente exrpessiva na vida de vocês.
HOMEM: (CANTA) Você endoideceu meu coração, endoideceu.../
JUÍZA: O que é isso agora?
HOMEM: É o nome da nossa filha do meio.
JUÍZA: Você endoideceu meu coração?
HOMEM: Isso.
JUÍZA: Hum... entendo... olha eu não vejo problemas em voces gostarem tanto assim de uma dança, porém desde que isso não se sobreponha às suas responsabilidades como pais. Segundo Aparecida Mexerica../
VIZINHA: Eles tacam lexotan nas meninas só pra ir no forró. É forró, forró e forró!
MULHER: Excelência, isso não é verdade, por que que a gente faria isso?
VIZINHA: E não é só isso não! Toda quarta-feira ele dá lexotan pra Gorete e vai sozinho pro forró!
MULHER: Que isso Aloísio! Você vai no forró sem mim?!
HOMEM: Desculpa Gorete mas eu preciso.
MULHER: Mas por quê Aloísio?
HOMEM: Eu tenho que treinar novos passos e com você não dá Gorete.
MULHER: Como assim treinar novos passos? Meus passos não te agradam mais?
HOMEM: Gorete, se eu não inovar a gente fica pra trás. E aí como é que vai ser nos festivais?
MULHER: Você dança xote com outras mulheres Aloísio?
HOMEM: Xote não Gorete, claro que não, é só forró,e daqueles bem rápidos. E sem bate-coxa. Xote coladinho é só com você minha flor.
MULHER: E xaxado?
HOMEM: Só com você.
JUÍZA: Não foi o que a sua vizinha disse. Consta aqui que/
VIZINHA: Outro dia eu bem vi ele dançando xote com a prima da Gorete.
MULHER: O quê? Você dançou xote com a Júlia?
VIZINHA: E ela tava com aquela sapatilha prateada da Gorete no pé que eu bem vi!
MULHER: Com a minha sapatilha de aço?!
VIZINHA: E fez até um furo no dedão esquerdo.
MULHER: Ela furou a minha sapatilha de aço?
MULHER: Pra você ver como eles dançaram...
MULHER: Filho da puta!! (torce o braço dele)
HOMEM: Não esse braço não. Esse é o braço da condução!
MULHER: Por isso mesmo!
JUÍZA: Ordem na casa! (ela solta ele)
HOMEM: Eu não ia fazer isso pretinha, eu juro que não ia, mas é que começou a tocar um forró no rádio e eu não agüentei...
VIZINHA: É forró, forró e forró!!!
MULHER: Viciado!!!
HOMEM: Não fala assim...
MULHER: Viciado sim! Viciado! Tarado! Você é o tarado do forró!!
VIZINHA: è forró, forró e forró!
MULHER: Você gosta mais do forró do que de mim! Não é? Fala pra mim, você gosta mais dele não é verdade? Fala!
HOMEM: São amores diferentes...
MULHER: Chega! Eu não quero mais isso pra mim... nos temos que parar com isso Aloísio. Esse vício ta acabando com a gente...
HOMEM: calma gorete...
MULHER: A gente não tem mais vida Aloísio.
VIZINHA: É forró! Forró! Forró!
MULHER: (divide a preocupação) Ás vezes eu me levanto de noite e fico dançando sozinha.
HOMEM: Isso é normal.
MULHER: durante 3 horas.
HOMEM: é...
MULHER: Nós deixamos nossos amigos todos para trás Aloísio, os nossos programas...
HOMEM: Também não é assim.
MULHER: Há quanto tempo a gente não vai num samba Aloísio? Numa micareta? Num pagode. Me diz?
VIZINHA: É forró! Forró! Forró!
MULHER: eu não agüento mais...Aloísio, a gente tem que parar com isso agora.
HOMEM: Mas parar por que?
MULHER: Porque eu to com o pé cheio de bolha!
HOMEM: Poxa mas logo agora? Eu acabei de aprender uma girada nova, em sentido anti-horário!
MULHER: Ai, me ensina?! (se dá conta que ta tentada e corta) Acabou Aloísio.
MULHER: Mas e o Festival de Itaúnas?
MULHER: O Festival de itaú... Acabou.
HOMEM: Mas e a matinê de hoje?
MULHER: A matinê?! Ai, a matin/ Acabou. Olha pra mim Aloísio, acabou. Acabou.
TEMPO – ELES SE ABRAÇAM EMOCIONADOS.
MULHER: Excelência, a gente vai parar. Nunca mais a gente vai dançar forró. Nem um passinho! Eu juro! E gente também nunca mais vai dar lexotan pras meninas. Nem dormonide nem Dramim. Nunca mais. A senhora tem a minha palavra.
HOMEM: É juíza. A gente ta fora do forró! A gente entendeu que não dá mais não. Ninguém aqui quer ser viciado não. Isso não é vida! Não é vida. A gente agora vai cuidar da nossa saúde e da nossa família que é isso que importa.
MULHER: É, agora nós vamos cuidar das nossas meninas.
TEMPO
JUIZA: Bom, eu to vendo que vocês estão dispostos a mudar então eu vou permitir que vocês continuem com a guarda das crianças. Mas vocês vão ter que ser fortes porque a qualquer sinal de fraqueza,de recaída nós vamos considerar você inaptos para manter uma família. Vocês entenderam bem? Bom, agora vocês podem ir, as suas filhas estão esperando por vocês na sala ao lado.
HOMEM: Ah, as meninas tão aí?
JUIZA: Sim, elas estão nessa salinha ao lado. Elas vão voltar pra casa com vocês.
MULHER: Graças a Deus!
JUIZA: Agora vocês podem ir buscá-las.
ELES LEVANTAM PRA IR MAS COMEÇA A TOCAR UM FORRO DELICIOSO.
HOMEM: Que isso?
JUÍZA: Forró, algum problema?
MULHER: (perturbada) Não, não, problema nenhum...
JUÍZA: Podem ir buscá-las.
Eles ficam tentados com a música e divididos olhando para sala onde a juíza aponta que as meninas estão.
JUIZA: Vocês não vão buscá-las?
HOMEM: Buscar?...
JUÍZA: Suas filhas estão esperando!
MULHER: ... As minhas filhas?...
JÚIZA: As suas filhas!
MULHER: (embriagada pela música) Que filhas Aloísio?
HOMEM: Que música meu amor! Olha só que música!
MULHER: To ouvindo, Aloísio, to ouvindo!
A DANÇA É MAIS FORTE QUE ELES, QUE SE DESCONTROLAM NUMA DANÇA FRENÉTICA – PODEM ATÉ ESTAR COM UMA ROUPA DE FORRÓ POR DENTRO E ABRIR A DE FORA, SEI LÁ, EXPLODEM NA ENTREGA AO FORRÓ)
VIZINHA: É forró! Forró e Forro! (luz vai caindo enquanto eles dançam freneticamente, música só cai depois já no escuro). Fim

Vídeo da cena

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O PODER DA BACTÉRIA de Larissa Câmara

Manchete: BACTÉRIAS PODERIAM SER A CAUSA DA OBESIDADE
Ganho excessivo de peso estaria relacionado a micróbios que provocam inflamação intestinal, aumentando apetite.
Jornal  Folha de São Paulo – Cotidiano – 06 de março de 2010

(Obs. da autora: Na cena vemos uma gorda e um gordo que resolvem ligar para o disk paquera. No telefone, assim como quem paquera na internet, eles mentem sobre os próprios gostos e aparência. Marcam um encontro e ao se encontrarem se descobrem almas gêmeas. Sugiro enchimento na roupa dos atores para que eles fiquem realmente muito gordos, obesos, para fazer a cena).

Foco de luz na gorda. Ela está sentada numa cadeira – coberta por um edredon  - não podemos ver que ela é gorda ainda. Entediada ela pega um jornal e lê a manchete:

GORDA: BACTÉRIAS PODERIAM SER A CAUSA DA OBESIDADE. Ganho excessivo de peso estaria relacionado a micróbios que provocam inflamação intestinal, aumentando apetite.

Deixa o jornal no chão. Entra música “All by myself”. Gorda pega um pote de sorvete e come. Usa a colher como microfone para dublar trecho da música. Retira o edredon de cima do próprio corpo para cantar . obs: isso deve ser uma boa piada. Dublagem é interrompida pela voz em off do disk paquera.


DISK PAQUERA – VOZ OFF: Cansada de ficar sozinha vendo televisão na 6ª. Feira à noite? (vinheta engraçada – Gorda faz sim com a cabeça) Está tão só que procura a felicidade em potes de sorvete? (vinheta engraçada – Gorda faz sim com a cabeça) Quer encontrar a sua cara metade? (vinheta engraçada – Gorda faz sim com a cabeça)
 Seus problemas acabaram! Chegou o disk paquera (Gorda salta comemorando e faz um joinha – dedo polegar para cima - para a platéia) O DISK PAQUERA é a ligação direta com o seu amor 24 horas por dia durante o ano todo. Não perca tempo, ligue agora, o amor não pode esperar! 0 55 21 4231 171 171. Ligue já! (Gorda pega o celular e tecla os números assim que a voz off fala os mesmos. Ouvimos o celular chamando) Tecle 2 para convidar aquela pessoa interessante para o papa reservado (Gorda tecla 2. O Gordo atende).

GORDO: Alô!

GORDA: Alô! (Sai do telefone e dá um gritinho histérico comemorando).

GORDO: E aí? Tudo bem?

GORDA: Tuuudo. Melhor agora que você ligou.

GORDO: Linda! (Gorda ao ouvir o elogio grita sem som - derretida) Fala um pouco de você.

(nesse momento os dois começam a inventar respostas. A comicidade do momento será dada pelas mentiras que eles contam e a reação deles pensando que o outro fala a verdade)

GORDA: Alta, loira, olhos claros, tenho um corpão... Gostoso! Cheia de saúde!

GORDO: Moreno, forte, dragão tatuado no braço, bíceps enorme, abdômen ultra malhado.

GORDA: Noossa! Qual é a sua comida preferida?

GORDO: Açaí com granola! E a sua?

GORDA: Salada Ceasar.

GORDO: Hum... Que delícia! Quero ver você! Vamos nos encontrar?

GORDA: Claro! Para você me reconhecer... eu vou segurar uma flor vermelha!

GORDO: Eu vou usar uma gravata azul. Até logo! Um beijo!

GORDA: Um beijo!

(Mudança de clima. Música de fundo.Os dois em focos isolados tentam se arrumar pra ir ao encontro. Ele faz flexões para malhar o braço. Ela faz abdominal. Ele mexe no cabelo. Ela passa batom e faz uma boca sensual. Ele mostra os músculos. Desistem)

Os dois falam juntos: Será que vai gostar de mim do jeito que eu sou?

(Nova mudança de clima. Gorda segura a flor vermelha e pára num ponto do palco. Gordo ajeita a gravata e pára num ponto do palco. Os dois viram um na direção do outro com timidez. Quando se olham nos olhos música. Um corre na direção do outro como  se fosse um sonho bom ou um comercial de leite molico. Se abraçam)

GORDA: Oi!

GORDO: Oi!

OS 2 FALAM AO MESMO TEMPO: Eu! (risos) Eu! (risos) Fala você! (riso)

GORDA: Há um tempo atrás eu era magra.

GORDO: Eu também era magrinho, franzino, fininho.... Foi a bactéria!?

GORDA: (faz sim com a cabeça) Eu sei! BACTÉRIAS PODERIAM SER A CAUSA DA OBESIDADE...

OS 2 FALAM AO MESMO TEMPO: Ganho excessivo de peso estaria relacionado a micróbios que provocam inflamação intestinal, aumentando apetite.

GORDA: (rindo) Estranho, eu acho que eu vi um bichinho na minha chicória!

GORDO: Ah, aquela rúcula bandida!

Os 2 riem se abraçam. Se olham profundamente.

GORDO: Você é linda!

GORDA: Você é perfeito.

OS 2 FALAM AO MESMO TEMPO: Quer ir na churrascaria rodízio?

Clima romÂntico. Os 2 acenam um sim com a cabeça. Beijam-se. Entra música alma gêmea de Fábio Júnior. No trecho – carne e unha alma gêmea. Tô morrendo de vontade de você.  http://www.youtube.com/watch?v=NS7euId9sqw
Os dois dão as mãos e saem apaixonados.

Fim


Vídeo da cena



quarta-feira, 24 de março de 2010

Palhinha do dia 19/03 - cada semana um novo espetáculo

Porta Aberta - de Cristina Fagundes

Homem assiste a televisão, mulher chega em casa.
MULHER: Desculpa o atraso! Eu tive que ficar lá na loja até agora. A menina que ia me render só chegou agora.
HOMEM: São 9 horas de manhã!
MULHER: Eu sei, João, mas é que choveu demais, a menina só conseguiu chegar agora de manhã. Eu só pude largar agora.
HOMEM: Ô, sai da frente! (fala em relação à TV pois ela ta na frente da TV).
MULHER: Ah, desculpa. Vou preparar alguma coisa pra você comer.
HOMEM: (sempre olhando pra TV, sem olhar pra ela, mal-humorado) Não precisa.
MULHER: Eu faço rapidinho.
HOMEM: Eu já comi.
MULHER: Ué, você comeu o quê?
HOMEM: ...
MULHER: Você não quer saber como foi o meu primeiro dia de trabalho?
HOMEM: Que primeiro dia? Que pra mim já é o segundo porque você foi pra lá ontem. De manhã! È pra perguntar como é que foi ontem?
MULHER: Desculpa, João, foi o temporal, eu não podia sair de La enquanto o pessoal do outro turno não chegasse... tem que revezar, não pode largar assim. (puxa assunto) ih, tava tudo alagado, você tinha que ver. E eu tava morta de sono, achei que nem fosse agüentar, mas eu acho que eu fiz tudo direitinho porque/
HOMEM: Sai da frente. Ta atrapalhando. (a TV).
MULHER: ah, desculpa, a TV. (ela sai da frente) Então, viu? Você fala que eu não sei fazer nada, mas eles até me elogiaram o meu trabalho sabia? Disseram sabe o quê? Disseram que eu sou organizada.
HOMEM: É porque eles não viram como é que você deixou a pia aqui de casa antes de sair.
MULHER: ah, desculpa Joao mas é que eu tava tão nervosa, num queria atrasar logo no meu primeiro dia de trabalho.
HOMEM: Eu tive que lavar aquela merda toda sabia? E você sabe que eu não lavo louça! Sabe que eu não gosto de lavar louça.
MULHER: Mas João por que você fez isso? Eu disse que ia lavar quando eu voltasse...
HOMEM: ...
MULHER: Ah, João, foi tão bom lá...
HOMEM: Você gostou?
MULHER: Ah, gostei tanto.
HOMEM: Gostou do quê?
MULHER: Ah, não sei, gostei de tudo.
HOMEM: Como é que alguém pode gostar de trabalhar no caixa de uma lanchonete de posto de gasolina? Trabalho idiota.
MULHER: (um pouco ofendida) É o meu primeiro trabalho João. (tempo) Eu tava com medo de como ia ser. Mas eu achei legal.
HOMEM: Legal o quê? Ficar lá batendo preço de sanduíche? Pelo amor de deus Gisele! Isso é coisa pra débil mental. Fala Sério! Ô Gisele, põe uma coisa na sua cabeça. Sua hora passou, você não estudou porque não quis. Agora não faz o menor sentido você ficar quererendo trabalhar fora sem ter preparo nenhum. Sabe o que você vai conseguir? Só merda! Só subemprego que nem esse. É isso que você quer? Ficar de empregadinha de posto de gasolina?
MULHER: Mas eu posso começar assim devagarinho e ir crescendo...
HOMEM: Ah, ta, vai crescer, vai virar frentista! Cai na real Gisele. Você não sabe fazer nada. Tem gente que consegue tem gente que não. E ponto. Você não se preparou Gisele. Engoliu mosca. Você não estudou nada, não fez porra nenhuma, agora pelo menos ajuda na casa. E pára de encher o meu saco com essa ladainha!
MULHER: Eu não estudei porque eu tive que cuidar da nossa filha João.
HOMEM: Bem-feito! Quem mandou embarrigar? Devia ter se cuidado, isso sim.
MULHER: (tempo, ela tenta dialogar) João, eu já perdi muito tempo da minha vida...
HOMEM: Ih, vai começar de novo com a ladainha? Pelo amor de Deus!
MULHER: Eu preciso começar a trabalhar mesmo que seja do zero, não tem problema, eu só quero me sentir útil.
HOMEM: (debocha) ah, eu quero me sentir útil!
MULHER: É, João. Eu preciso sentir que eu sei fazer alguma coisa. Que eu posso fazer alguma coisa. Hoje lá no posto eu senti uma coisa diferente, sabia? Pela primeira vez em muito tempo eu senti que... ah, eu me senti crescendo.
HOMEM: Crescendo? Você devia era ta engordando comendo aquelas besteiras todas que tem lá. Tomou sorvete? Fala?
Encheu a pança de sorvete de novo não foi?
MULHER: Pára com isso, João, eu to falando sério. Ontem, lá no posto, eu aprendi várias coisas.
HOMEM: Aprendeu o quÊ? Aprendeu o quê? Não, me diz, em nome de Deus o qué que você pode ter aprendido no seu primeiro dia de empregadinha de posto?
MULHER: Eu vi muita coisa lá ontem. Tinha muita gente ilhada no posto por causa da tempestade. A água subiu tanto... tinha uns 35 carros parados lá no posto.
HOMEM: Ah ta, então você aprendeu que quando chove no Rio a rua alaga? Ó !!
MULHER: Não... não é isso João. Mas é que tinha tanta gente lá... e cada um com uma história diferente. João, tinha um vovô que tava todo molhado, olha ele tentou passar com o carro mas o carro morreu e ele teve que descer no meio da chuva, agora você imagina, com água até o joelho. Ele tava segurando um vaso de flores, ele ficou o tempo todo segurando aquele vaso. O tempo todo João. Eram flores tão lindas. Fiquei me perguntando o que ele ia fazer com elas. Pra quem será que ele ia dar hein?
HOMEM: Hum, e daí?
MULHER: Daí eu pensei em como deve ser bom ser amada que nem essa mulher que vai receber essas flores.
HOMEM: Vai ver que nem é mulher que é homem. Vai ver o vovô é gay.
MULHER: Depois eu fiquei lá olhando um monte de gente que tava indo pra um casamento. Todo mundo super arrumado e preso lá no posto. Sem poder sair de lá. As mulheres com aqueles vestidões, o cabelo todo arrumado e elas sentadinhas no degrau na porta da loja, esperando a chuva passar. Você precisava ver João. Fiquei com uma pena da noiva, ela deve ter passado o ano inteiro organizando a festa pra na hora acontecer essa tempestade e acabar com tudo.
HOMEM: Sorte do noivo, que escapou do casamento.
MULHER: Eu vi também uma mulher no celular contando pra amiga que matriculou o cachorro dela numa escola especial para cachorros. Uma escola pra cachorro, vc ta ouvindo João?
HOMEM: (FAZ sinal pra ela sair da frente).
MULHER: A escola tinha até natação João e treino em inglês pros cachorros! Uma fortuna, 580 reais a mensalidade! So que tem o seguinte, ela paga isso tudo pro cachorro lá dela mas ela negou na minha frente um sanduíche pra um menino que tava lá no posto que eu vi. O menino cheio de fome João e ela negou. Teve uma hora que ela mandou ele tirar a mão do carro dela para não sujar. Eu vi. Ninguém me contou não.
HOMEM: Tá, parabéns, agora dá pra sair da frente?
MULHER: E tinha um casal muito estranho. Eles tavam na mesinha do lado do caixa. Você acredita que eles ficaram sentados lá umas 4 horas por causa da chuva e nesse tempo todo eu não vi eles trocarem uma palavra João? Ela só ficava lendo uma revista o tempo e ele lá calado. Aí quando acabou ela leu tudo de novo, de trás pra frente. È incrível que um casal possa terminar assim... O silêncio deles era tão triste... me deu até um aperto na garganta... você não acha horrível quando as pessoas não tem mais nada pra dizer uma pra outra? Hein?
HOMEM:... (ele não responde, vê TV).
MULHER: Mas aí do nada apareceu um homem, alto, barbudo e veio até o caixa, parou e ficou me olhando. Me olhando, me olhando... Aí ele me perguntou. Você não ta me reconhecendo não? Fiquei la tentando me lembrar mas você sabe que eu sou péssima pra essas coisas.
HOMEM: Vc é péssima pra várias coisas.
MULHER: (respira fundo) Mas então... sabe quem ele era? O Marcelo, o Marcelo, o meu melhor amigo no tempo do colégio. Eu já te falei do Marcelo lembra? Então? Ele tá tão diferente. Tá barbudão (ri). Ele montou uma empresa de esportes radicais, esse negócio de fazer trilha, descer rio... Ele ta bem na vida.
HOMEM: E você falou o que pra ele? Que virou dona de casa?
MULHER: Ele me disse que era apaixonado por mim no colégio...
HOMEM: Apaixonado por você?!
MULHER: É. E que era apaixonado até hoje. (ri feliz) Sabe o que ele disse? Que eu não mudei nada, que eu continuo linda.
HOMEM:Tá, parabéns, então no seu primeiro dia de trabalho você também descobriu que os homens mentem.
MULHER: Não João, você não ta entendendo. Na verdade eu descobri muito mais do que isso. É... Na verdade eu descobri, com o velhinho, que eu to com vontade de ganhar flores, é eu quero ganhar flores... eu quero muito ganhar flores... eu não consigo passar nem mais um dia sem ganhar flores. Eu acho que eu não consigo passar nem mais um minuto sem ganhar flores.
HOMEM: Gisele dá pra sair da.../
MULHER: (CORTANDO ELE) Não, agora escuta. Você não queria saber o que é que eu aprendi lá ontem? Então, com a mulher do cachorro eu vi que eu não preciso conviver com gente idiota... aliás ninguém precisa, a gente convive é de bobo. Com os convidados do casamento eu descobri que um casamento pode acabar de repente... ou pior, pode ir acabando aos poucos, um pouquinho a cada dia, até ficar só o silêncio. Aquele silêncio do casal na mesinha... E teve o Marcelo também, tão bom ter reencontrado o Marcelo. Tão bom saber que tem gente assim que nem o Marcelo por aí né? Então,João, pra um primeiro dia de trabalho até que eu descobri muita coisa né? Bom, eu vou dormir porque eu to cansada e amanhã é meu segundo dia de trabalho e eu quero estar bem. Agora, eu vou te deixar com a sua TV, aliás eu vou te deixar João... Boa noite. (ela sai, ele fica pensativo, a t v ligada, mas dessa vez ele não olha a tv).

Fim.

Vídeo da cena

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Império do Amor
Leandro Muniz


Dois jogadores de futebol, prontos para treinar, jogam conversa fora.

HOMEM
Eu adoro “Free Willy”!
HOMEM 2
Mas você já leu Moby Dick?
HOMEM
Curto mais Stanislavski...
HOMEM 2
Ouvir Mozart enquanto leio Lacan, adoro.
HOMEM
O dadaísmo me encanta...


Entra Adriano(muito sério e másculo sempre). Silêncio. Os dois abaixam as cabeças, amedrontados.


ADRIANO (faz gesto positivo com a mão, mas fala sério)
Fala pessoal!

Os dois param de falar, olham para ele, e correm para abraçá-lo, animadamente.

HOMEM
Fala Adriano!
HOMEM 2
Que saudade!
HOMEM
Bom ter você de volta!
ADRIANO ( sem graça)
Pois é, tive alguns probleminhas, mas já foram resolvidos.
HOMEM 2
Estávamos torcendo por você!
HOMEM
Foi uma injustiça o que fizeram!
ADRIANO
As noticias correm né?
HOMEM 2
Sim, mas sabemos que você teve motivos.
HOMEM
A gente sabe que você é um cara do bem!
ADRIANO
Mesmo assim acho importante esclarecer.

HOMEM
Não precisa.
HOMEM 2
Olha, não precisa mesmo...
ADRIANO
Por volta das seis horas da tarde eu cheguei ao clube para treinar. O treino estava marcado para as 8 da manhã...
HOMEM
Normal..
HOMEM 2
Pô, todo mundo atrasa.
ADRIANO
O supervisor disse que o treinador queria falar comigo, eu disse que ele viesse até mim.
HOMEM 2
Natural, você devia estar cansado.
HOMEM ( compreensivo)
Foi dormir tarde, acordou cedo...
ADRIANO
Ele veio. E começou de blábláblá, dizendo que gosta muito de mim como pessoa...
HOMEM
Huumm... Que viadagem...
HOMEM 2
Esse treinador nunca me enganou.
ADRIANO
Ele começou a babar um pouco no canto da boca, já não é a primeira vez que isso acontece...
HOMEM 2
E?
ADRIANO
Eu já tava de saco cheio, quando ele disse: É melhor você parar de beber todos os dias!
HOMEM ( indigna-se)
 Ele disse isso? Quem ele pensa que é?
HOMEM 2
Que absurdo! Você só bebe a noite!
HOMEM
Pode crê, nunca vi esse cara beber no treino!
HOMEM 2
Você é do bem cara, do bem!
ADRIANO
Bom... O resto vocês já sabem. Já tiraram o corpo dele de dentro do gol?
HOMEM 2
Já sim.  A funerária veio cedinho aqui.
HOMEM
Dizem que entrou no ângulo.  É verdade cara?

Silêncio.

ADRIANO ( tímido e sorridente)
Pô, é sim, é sim... Mó golaço...

HOMEM
Manero!
HOMEM 2
Você é foda!
ADRIANO
Pô, daí já temos um novo treinador, e eu fui liberado pela polícia.
HOMEM 2
Claro, nada ver terem te prendido!
HOMEM
Pô, quem nunca usou armas de fogo contra um treinador?
HOMEM 2
Quem nunca chutou um cadáver pra dentro do gol?
HOMEM
Quem nunca deu uma estupradinha numa funcionária?
HOMEM 2
Quem nunca teve um site de pornografia infantil?
HOMEM
Quem nunca fez uma cirurgia de aumento peniano?


ADRIANO e HOMEM 2, ficam olhando para Homem, que constrange-se.

ADRIANO
Chega de jogar conversa fora, vamos treinar?
HOMEM
Vamos.

Homem e Homem 2 começam a se alongar, ou fazer pequenas corridas pelo palco.

ADRIANO
Quer dizer, acho que eu vou pra casa.


Eles param de se alongar e/ou de correr, e olham pra Adriano.

HOMEM 2
Você que sabe.
ADRIANO
Muito estresse...
HOMEM
A gente entende.
ADRIANO
Pô, briguei com minha mãe hoje, deixei ela amarrada na cozinha, to meio bolado.
HOMEM 2
Coé cara, é por isso que você vai embora?
HOMEM
Bicho, você já foi mais irmão, parceiro!
ADRIANO ( estressado aproxima-se de Homem)
Coé mermão? Tu vai mexer com a minha mãe?                

HOMEM
Não, que isso cara...
ADRIANO
Você ta me provocando, porra, você obrigado a te beijar, brother!
HOMEM 2
Calma Adriano, não faz isso cara!
ADRIANO
É isso mesmo! Vou beijar esse maluco, ta de marra pra cima de mim!
HOMEM
Coé parceiro, fica na moral!
ADRIANO
Eu to na moral, mas tu ta me provocando, e porra cumpade, tu é mó gostoso!
HOMEM 2
Calma cara!
ADRIANO
Calma nada, eu vou partir pra cima desse maluco e lamber esse corpinho todo amarradão!
HOMEM 2
Eu vou nessa, tenho que mandar um twitter pra minha vó, valeu!

HOMEM 2 tenta sair, mas é impedido por Adriano, que o pega pelo braço.

ADRIANO
Você também fica!
HOMEM 2
O que você quer?
HOMEM
Não basta todos do time que você já molestou?
HOMEM 2
Libera a gente cara!
ADRIANO
Não. Agora eu me alterei!  Pô, to com mó tesão cumpade, bora fazer um troca-troca do bem!
HOMEM
Ai...
HOMEM 2 ( pra Homem)
E agora?
ADRIANO( se emputece)
Agora, geral vai ter que me beijar, senão eu vou ficar bolado e matar geral!

Adriano pega a cabeça dos dois, uma com cada uma das mãos, e fica forçando em direção a sua cabeça, como se forçasse os dois a o beijarem. Quando o beijo estiver muito próximo, as bocas bem próximas, os 3 atores param, e numa quebra começam a falar como atores, e não como personagens.

ADRIANO
Ok, beleza.
HOMEM
Beleza, já deu.

HOMEM 2( pra platéia)
A gente só ensaiou até aqui. (pros outros) Acho que deu né?
HOMEM
É, pode crê.
HOMEM 2
Então, é isso. Acabou a cena.
ADRIANO
Pode crê.

Os três vão saindo de cena, nesse clima meio “ok, acabou a cena, foi bacana”.
Durante a saída, Homem 2 fica no palco, e Adriano e Homem saem conversando.

ADRIANO
Poxa “fulano” (chama-o pelo nome do ator), bora tomar uma cerveja hoje, sei la, to amarradão em virar a noite contigo hoje, borá?
HOMEM
Coé mermão, sai fora.

Os dois saem de cena. Homem 2 fica sozinho no palco.

HOMEM 2 ( pra platéia)
Bom, eu queria pedir desculpas a todos aqui presentes. Foi uma cena um pouco estranha, nós não queríamos que acontecesse esse tipo de situação constrangedora, desculpem. Nem pretendíamos insultar os jogadores de futebol, muito menos os homossexuais, Lacan, ou Free Willy, que tanto amamos. Foi uma opção do autor (muda o tom para um tom mais íntimo com a plateia), que vamos combinar, não é láaa um autooor dos mais inspirados, não é mesmo? Peraí, só um segundo.

Homem 2 pega um papel do bolso, e começa a ler.

HOMEM 2 ( lendo o papel, rapidamente)
Foi uma opção do autor, que vamos combinar não é lá um autor dos mais inspirados, não é mesmo? Pega o papel do bolso, olha pra platéia, Black out rápido.


Black Out.


segunda-feira, 15 de março de 2010

Palhinha da segunda semana do Clube da Cena - dia 12/03/2010


 A nova mulher - de Cristina Fagundes

Música tocando.  Casal sentado num sofá de uma sala se beijando e se agarrando.  Começam a tirar a roupa.  (é importante que a personagem feminina seja delicada e suave e não uma putona, senão não tem graça). 

RICK: Ah, vem cá delícia, vamos fazer um sexozinho gostoso, vamos?
NANDA: Pô, mas é a primeira vez que a gente sai, você não acha que pega mal?
RICK: Não  ué, que que tem?
NANDA: Ah, sei lá é que tem homem que acha que dá de primeira é coisa de piranha. (TEMPO) Você acha isso?
RICK: Não, claro que não, a gente é adulto, qual o problema?
NANDA: Ai, que bom, que eu sempre dou de primeira. Como diz minha mãe: foda adiada é foda perdida!
RICK: (RI SEM GRAÇA) ah, é?  Sua mãe fala isso?
NANDA:  Fala. Minha mãe é muito sábia, sabe?  Ela me dá muitos conselhos de vida.  
RICK: Que engraçado. 
NANDA: Mãe tem essa coisa de cuidá né? Toda mãe é assim.  A mamãe sempre coloca uma camisinha nova na minha bolsa, quer ver? (procura) olha aqui.  Num falei. Ela é tão boazinha, ela fica preocupada, olha só,  é daquela resistente, boa pra fazer sexo anal, ó! Tá vendo, minha mãe me conhece.
RICK: Como assim?
NANDA: Ah, ela sabia que eu vou fazer anal  com você.
RICK: Fazer sexo anal comigo?  Olha! (ri sem graça) Mas como é que a sua mãe podia saber disso? A gente nem falou nisso.
NANDA: Ah porque ela  é esperta. Ou então porque eu sempre faço isso de primeira.
RICK: ah é?... que coisa...
NANDA (PENSATIVA): Ou então deve ser porque ás vezes eu filmo e mando pra ela.
RICK: Você filma o quê?
NANDA: Ah, eu filmo o sexo em si. O todo. E uns closes também.  Eu pego as dobrinhas sabe? Eu acho bonito.  Tô até pensando em fazer uma exposição “Genitálias Cariocas”.  Já tenho muito material.  Eu coloco no youtube você quer ver?
RICK: Sua mãe vê esses vídeos?
NANDA: Vê ué, todo mundo vê, ta lá no pornotube! É só botar Fernanda molhada. Quer ver? 
RICK: Não. Peraí. Você não acha estranho a sua mãe ficar vendo esses seus vídeos?
NANDA: Estranho? Não. Acho normal, toda mãe quer saber o que que a filha anda fazendo ué.  E eu tenho estudado muito, eu to estudando pra concurso sabe? Daí eu nunca paro em casa aí eu resolvi filmar meus encontros pra ela poder me ver quando sentir saudade.  Minha mãe é muito sozinha.
RICK: Ela é casada?
NANDA: Não.  Ela  tem uma historinhas lá com o porteiro mas é só sexo.
RICK: Ela sai com o porteiro?
NANDA: De vez em quando.
RICK: E ela acha isso bom?
NANDA: Ah, deve ser ótimo, porque o Juarez! Nossa! Muito bem dotado.
RICK: Como assim? Você já transou com o Juarez?
NANDA: Ah, não, mas o Juarez é muito bem dotado! Ele usa um uniforme justo que eu fico louca, que isso. É que eu ainda não tive uma chance mas quando eu pegar o Juarez de jeito...
RICK: Não vai ficar estranho depois não?
NANDA: Depois?
RICK: É. Se você sair com esse Juarez depois como é que vai ser? Você vai chegar em casa e dar de cara com ele na portaria, todo dia?
NANDA: Não . Vai ter vezes que eu vou chegar e ele vai ta com a minha mãe lá em casa. Eles andam transando muito.  O Juarez parece um coelho! Tem que ver!
RICK: E você não se sente invadida com ele na tua casa?
NANDA: Ah, eu ando tão  ocupada com o concurso, eu quero ser juíza sabe? Então eu nem ouço nada.  E eu sou muito concentrada.  Eu só acho chato quando a Carmem entra na jogada.
RICK: Carmem?
NANDA: É, a empregada.  Ela grita muito,é  espanhola.  E aí quando a mamãe chama a Carmem pra participar fica difícil mesmo.  Aí eu confesso que me atrapalha sim.  Semana passada eu falei pra Carmem: Carmen eu não quero mais que você fique com a minha mãe quando ela já estiver com o Juarez, falei mesmo, porque senão vira bagunça sabe? Eu preciso estudar.
RICK: Sei. E essa Carmen, ela te obedece?
NANDA: Só na cama.  Porque na mesa ela não me traz uma torrada.  E vai pedir pra ela fritar um ovo?  Não frita. Ela disse que ovo não é função dela.
RICK: Você não acha devia arrumar uma outra empregada, diante do que anda acontecendo?
NANDA: Acho, acho sim.  Acho um absurdo esse comportamento. A Carmen não pode ficar sem fritar ovo  e achar que é normal isso. Eu adoro ovo! Tem que superar essa aversão a ovo., gente! Mas deixa, deixa que a minha tia ta mandando uma menina lá do Norte que ela disse que é ótima! Cozinha que é uma maravilha e ainda faz um sexo oral fantástico.  Ate minha avó elogiou.  E olha que a minha avó é dificílima, não gosta de nada. 
RICK: A sua avó...
NANDA: Minha avó é uma santa! Graças a Deus que eu tenho ela na minha vida! È muito sábia a vovó, não sei o que seria de mim sem ela.  Vive me dando presente, olha só isso aqui que mimo.
RICK: que isso?
NANDA: Tesão de vaca.  Não  é incrível? Eu achei que nem existia mais! Tem coisa que só avó pra descobrir para gente!  Sua avó também deve ser assim né?  E eu servi um pouco disso no chá de panela da minha irmã, outro dia, ih, foi um arraso,  você tinha que ver!  A gente se divertiu tanto!  Ai, que loucura! Aqui, ó (mostra uma marcas de unha na barriga) o que a minha prima me fez.  Ai, ai, to acabada até hoje! Ai, ainda bem que a vovô me mandou esse hipoglós junto!  Minha avó pensa em tudo!
RICK:  Escuta, ta ficando tarde, acho que eu já vou indo...
NANDA: Ah, mas já? Sem nem transar?
RICK: é, é que eu lembrei que tenho que terminar um trabalho para amanhã...
NANDA: Mas a gente não vai nem transar?
RICK: Eu queria mas é que não vai dar...
NANDA: Que estranho né?
RICK: O quê?
NANDA: A gente se vê sem transar. (TEMPO) Posso então  me marturbar?
RICK: Não vai dar mesmo, eu to cansado...
NANDA: Você só precisa assistir. 
RICK: Escuta, ia ser muito interessante, mesmo, mas fica pra próxima. é que eu lembrei que eu tenho esse lance...
NANDA: É rapidinho.  Eu consigo em 20 segundos. 
RICK: Eu  te ligo amanhã.
NANDA: Amanhã? Mas eu vou ta estudando amanhã... agora eu vou ficar pegada direto por causa do concurso.  Eu quero ser juíza.
RICK: Pena.  Fica pra uma outra vez.
NANDA: Ah, então ta, fazer o quê né?  Você ficou com sono né?  Eu não devia ter falado essa história do concurso.  Eu não aprendo,mas tudo bem, a gente sai outro dia.  Olha deixa só eu ver se o Juarez ta lá na portaria pra abrir a porta pra você.  (liga) Alô Juarez? Ah, vc ta aí, né? Achei que você tivesse com a minha mãe.  Escuta, tem um amigo meu descendo aí, fica aí e abre a porta pra ele hein? Não vai ficar se agarrando com o vigia que o meu amigo ta cansado hein? E não vai agarrar ele hein Juarez. Tá. Ta bom, tchau.   
NANDA: Pronto. Já falei com ele.  Olha, vamos fazer o seguinte?  Me liga amanhã sim, me liga que mesmo se eu não puder ir, minha mãe vai com você.  Leva minha mãe. Você vai adorar a minha mãe.   Tchau.  (vai até o interfone) Alõ Juarez, sou eu.  Olha, depois que vc abrir a porta pra ele, dá uma subidinha aqui fazendo favor Juarez.   Eu quero ver se esse uniforme é justo mesmo.  (grita) Mamãe, Carmem, Mamãe, acorda que o Juarez ta subindo! 

FIM. 



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“Cristo era Gay superinteligente” afirma Elton John
Folha de São Paulo – Capa – 20/02/2010


OS DOIS LADRÕES
De Ivan Fernandes

Cela escura.  Dois homens jogam dados sobre um manto vermelho. Perto deles, um homem ferido, deitado de costas. Nunca vemos seu rosto: somente suas costas marcadas de chicote e sua respiração cansada.

LADRÃO 1 - Soltaram Barrabás.

LADRÃO 2 - 21. Ganhei de novo.

1 - E botaram esse aí de volta pra dentro.

2 - Que te importa? Você já me deve 3 rodadas. Aliás, 4: você apostou que quem saía era ele e Barrabás ficava. Tá me devendo.

1 - E daí? De manhã vamos morrer. (pausa)

2 - (recolhe os dados) Você me tirou a vontade de ganhar.

1 - Sabe, talvez a gente devesse devolver o manto pra ele.

2 - Não ouviu o que o guarda disse? Ele tem que ficar no sereno.

1 - O que será que ele fez?

2 - Se tá aqui com a gente, é por que é igual.

1 - Deve ser muito pior. Se até deixam a gente ficar jogando. E não bateram na gente.

2 - Fale por você. E essa ferida na minha perna?  

1 - É porque você bateu na velha. Por que você foi bater na velha? Era só roubar. Aí os guardas ficam putos e te sentam o chicote.

2 - Eu não gostei do jeito como a velha olhou pra mim. Como se eu fosse um ladrão.

1 - Ela me olhou assim também. Nem por isso eu bati nela.

2 - É que você é metido a diferente. Mas é igual.

(O outro homem se mexe)

1 - Acho que ele acordou.

2 - Acho que tava acordado o tempo todo.

1 - A gente não devia deixar ele deitado nessa pedra fria.

2 - Que diferença faz? Ele também vai morrer de manhã. Além do mais se a gente desobedecer, é crucificado de cabeça pra baixo.

1 - Eu vou devolver o manto pra ele.

2 - Dizem que de cabeça pra baixo é mais demorado e mais sofrido.

1 - Eu não quero morrer com o olhar daquela velha na minha cabeça. Queria que alguém me olhasse de outra forma.

2 - Ele não é alguém.

1 - Ele me basta. (pega o manto) Vou levar um pouco d’água também. (pega uma pequena cuia d´água)

2 - Ei, tá maluco? Assim é demais! Não quer levar uns chocolates também? Isso aqui não é serviço de quarto! Que mordomia é essa prum desconhecido?

1 - Ele não é desconhecido, vai morrer junto com a gente. É quase um vizinho. (vai até o homem caído com o manto e a água. Molha o manto e passa suavemente em suas feridas. Joga um pouco de água nas suas feridas. Cobre-o. Faz tudo isso sem que jamais vejamos o rosto do homem caído.)

2 - (fala enquanto Ladrão 1 executa as ações) Viu a coroa de espinhos? Barrabás disse que é porque esse aí é o rei dos judeus. Também ô terra pra ter rei essa. O camarada faz alguma coisa bem, logo vira rei. É rei dos camelos, rei das jóias, rei das tintas, rei dos sucos. Que tal esse aí? Tem cara de rei?

1 - Não sei. Tem os olhos fechados.

2 - Eu disse. Tá morto. Tá nem sentindo o que você tá fazendo. Pra quê ficar aí ensaboando defunto? Vamos voltar a jogar. Pelo menos eu morro me sentindo um vencedor.

1 - (terminando) Agora ele deve se sentir melhor.

2 - Ele nem tem forças. E Barrabás disse que ele vai ser obrigado a carregar a própria cruz. Já imaginou isso? Carregar a própria cruz! Sabe quanto pesa uma cruz? Eu prefiro levar mil chibatadas. O que será que esse cara fez pra neguim fazer isso com ele?

1 - Deve ser porque ele anda com Madalena. Ela mesma já foi apedrejada tantas vezes.

2 - E daí? Madalena já deu pro deserto inteiro. Eu mesmo perdi a virgindade com ela. E sem pagar!

1 - Justamente. Ele disse a ela que o amor era livre, era de todos. E ela passou a amar sem escolher. E sem cobrar. É por isso que ela foi apedrejada. As outras putas devem ter ficado putas. Mó concorrência desleal.

2 – Mulher? Não sei não. Pois eu ouvi dizer que o negócio dele era com Judas. Foi Judas que caguetou ele. E sabe como foi? Judas chamou ele na frente dos guardas e eles se beijaram. Na frente de todo mundo!

1 - (corre e tira o manto e a agua de perto do corpo) Eu, hein, rosa? Tá me estranhando? Não vem não lagartixa que aqui é azulejo! E eu ajudando o cara na maior inocência. E porque vão crucificar ele do nosso lado? Vai queimar nosso filme geral! Eles pensam que a gente é igual? Falta de respeito! A gente aqui é ladrão!

2 - Ele deve ter culpa no cartório mesmo. Viu como ele nem reagiu? Os guardas batiam e ele oferecia a outra face.

1 - Mas se Judas era marido dele, por que ia dedurar o cara, sabendo que ele ia apanhar, ser preso, essa merda toda?

2 - Ah, briga de bicha é essa baixaria mesmo.
 
1 - Pensando bem, faz sentido.

2 - O que?

1 - Se ele diz que o amor é livre, que deve ser de todos, sem escolher, faz sentido que ele ande com Madalena e com Judas ao mesmo tempo. Não é? Amor livre! O que você acha?

2 - Eu acho que o problema desse camarada é que ele não fala. Não disse uma palavra desde que entrou aqui. Como a gente vai saber quem ele é de verdade?  

1 - Ei! Ô cumpadi! Tá ouvindo? Essas histórias que contam sobre você são de verdade?

2 - Você tá aqui por que?

1 - O que você quer?

2 - Tem alguma coisa pra dizer?

(O homem permanece na mesma posição, em silêncio. Os dois ladrões vão olhar o rosto do homem caído)

1 - Que tal te parece?

2 - Um cara normal.

1 - Que nem a gente.

2 - Ele nunca abre os olhos?

1- Tá respirando.

(Barulho de passos e portas abrindo ao longe)

2 - Já deve ter amanhecido lá fora. Começaram a levar os condenados da ala 1. (para o homem caído) Ouviu? Tá chegando a nossa hora! (o homem caído não se mexe. Para o outro) Dizem que ele não tem medo porque é um feiticeiro que aprendeu a vencer a morte. Dizem que ele andava em cima das águas e o caralho.

1 - É tua última chance de esclarecer. Fala pra nós. A verdade. O que é a verdade? (cata uma pedra) Escreve aí no muro com essa pedra. Deixa alguma de coisa pros que ficarem.

2 - Por que você ainda tá preocupado com esse cara?

1 - Você não entende? Se cada um diz uma coisa com ele vivo, imagina o que vão dizer em nome dele quando estiver morto. Daqui a pouco podem até dizer que ele era um santo, um deus.

2 - Deixa de ser exagerado. Um deus crucificado no meio dos ladrões? Daqui há cinco minutos, tudo vai acabar. Ninguém nunca mais vai ouvir falar dele. Nem de nós.

1 - É. Pode ser.

(barulhos mais próximos.)

2 - (olhando pela cela) Os guardas tão abrindo a nossa ala.

1 – (senta-se) Minhas pernas sumiram. O que é se faz nessa hora?

2 – Acho que as pessoas rezam.

1 – Eu não sei rezar. Você conhece alguma reza?

2 – Só a oração de Barrabás. Barrabás aprendeu com ele quando pensou que ia morrer. Mas Barrabás foi solto e quem ficou foi ele.

1 – Mas ele não tá rezando.

2 – Isso é problema dele. Você quer rezar ou não?

1 – Reza aí que eu ter acompanho.

(ajoelham-se)

2 – (em voz alta) Pai nosso que estás no céu. Santificado seja o vosso nome. Venha a nós o vosso reino. Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje. Perdoai as nossas ofensas...

(luz vai sumindo, antes que a oração chegue ao fim.)



quinta-feira, 11 de março de 2010

Palhinha da semana de estreia no novo Clube da Cena - dia 05/03/2010


MANCHETE:
PROIBIDÃO CARIOCA: ATÉ MULHER É PRESA POR FAZER XIXI DURANTE DESFILE.


PROIBIDÃO CARIOCA
De Ivan Fernandes

Presídio Talavera Bruce. Duas presidiárias (Xerife e Terezão) dormem. Terezão se movimenta, agitada, como se estivesse em um pesadelo, até acordar gritando.

T – Foi ele! Foi aquele cachorro! Pega!

X- (acordando em sobressalto e pegando uma faca) Ele quem? Que foi? Que puta zorra é essa?

T – (caindo em si) Foi mal, Xerife. Eu tava sonhando com meu marido de novo.

X – Porra, Teresão. Toda noite essa merda, agora.

T – O puto me botou na viração, me tomava o dinheiro e ainda me obrigava a vender pó pra ele. E quando eu caí na mão dos home, ele...

X – Foda-se. É problema teu. Se eu quisesse saber de novela, a gente tinha tv aqui.

T – Foi mal, Xerife. Eu não quis...

X – Foi mal o caralho. Agora tu cortou meu ronco. Sabe por que eu tô aqui? Sabe por que me chamam de Xerife?

T – Ouvi falar.

X – Matei pra mais de vinte. Uma piranha a mais não vai fazer diferença. Tu acha que a tua história me assusta? Tu acha que me dá pena? Foda-se! Teu marido te sacaneou? Foda-se! É por isso mesmo que eu não gosto de home. Melhor tu ficar quietinha e não encher o saco.

Gilda e Camilinha, em fantasias de carnaval, são jogadas pra dentro da cela.

X – Eita que a noite tá movimentada. É hoje que eu não durmo mais.

C – (na porta, para o carcereiro, que já se foi) Vocês não podem fazer isso! A gente tem um desfile! a escola depende de nós! Quando eu falar com o bicheiro que é o presidente, lá, o..., esqueci o nome, mas quando eu falar com ele tudo vai ficar esclarecido!

G – Eu disse que tinha visto uma placa de proibido. Eu avisei.

C – Ah, não enche, Gilda. (ainda pra porta) Isso é um absurdo! Aonde estão os direitos humanos? É uma necessidade fisiológica!

T – Saca só essas patricinhas.

 (Xerife e Terezão fazem cara de “carne nova no pedaço”. Gilda nota o clima, mas Camilinha está tomada pela energia do protesto e não repara nada)

G – Camilinha...

C – E que lugar é esse que vocês nos atiram? Quando foi a última vez que esse lugar viu uma faxina? Um paninho molhado que seja. Ninguém tem um sprayzinho de bom ar pra jogar aqui, pelo menos?

G – Camilinha...

C - E esse calor? Não tem um ventiladorizinho, gente? Pelo menos devolvam os nossos leques! Eram plumas de avestruz! E você, Gilda, quê que é? Na hora de falar que o guarda tava vindo não deu um pio. E agora quer falar o quê?

G – Eu nada. Mas elas...(Gilda aponta para Xerife e Terezão, que se aproximam de forma intimidadora)

C – (engole em seco) ( baixo, para Gilda) Diz alguma coisa.

G – (para Xerife e Terezão) E aí, todo mundo curtindo o carnaval? (Xerife e Terezão não respondem e continuam encarando)

C – (baixo) Isso é coisa que se diga?

G –  (baixo) E quando foi que eu conversei com alguém nessa situação? Fala você.

 C - (para Xerife e Terezão) É isso aí, malandragem. Aí galera da 11! Vida bandida! Tá ligado? Primeiro comando! Segundo vermelho! Amigo dos amigos! A comunidade. A periferia. Os mano. As mina.

 G – (sussurra) Ficou maluca?

C – (sussurra) Deixa de ser burra. É melhor você fazer igualzinho. (alto, cheia de gestos) É nóis! Formô! Demorô! (sussurra) Tu sabe o que elas fazem com as novatas? Então é melhor impressionar o pessoal. (alto, fingindo malandra) Dê dois mas mantenha o respeito! Essa onda que tu tira qual é? Essa marra que tu tem qual é?

(Xerife e Sandrão não se alteram e continuam com a mesma cara sinistra)

G – Eu acho que elas não ficaram muito impressionadas não.

X – Qual a sua graça, tchutchuca?

C – (tremendo) Camilinh... Camilão.

T – E veio parar aqui por quê?

C – Por que?... Porque... nesse carnaval eu acordei virada. Acordei doida pra arrumar problema, sacou? Que eu sou assim. Aí eu assaltei um ônibus. Não, uma padaria. Não, eu assaltei um banco mesmo. Peguei minha metralhadora e entrei atirando: todo mundo pro chão! Aí na fuga eu sequestrei o presidente do banco. Sequestrei também as pessoas que tavam passando. Sequestrei a imprensa. Sequestrei todo mundo. Aí foi uma confusão dos infernos e nessa confusão eu disparei e quando vi já tinha matado pra mais de cem pessoas.

X – Faço idéia de como você escondia uma metralhadora dentro dessa fantasia tamanho PP. E você, princesa, tá aqui por que?

G – Bem, depois que ela assaltou, sequestrou, matou, tudo isso aí, a gente precisou parar na rua pra fazer xixi. Aí eu fui fazer barreirinha pra camilinh... camilão. Aí chegou o guarda e me levou como cúmplice.

X – É. Uma história muito triste a de vocês. O que é a que a gente faz com elas, Terezão?

S – Choque de ordem, Xerife!

G – Ah, não! Até aqui?

T – Vocês precisam regularizar sua situação aqui dentro. Bom, comecem preenchendo este formulário. Por favor. Em 3 vias. (entrega um formulário a elas)

C – (lendo) CNPJ? Pra ficar aqui tem que ter CNPJ?

T – Olha aí, Xerife. Chegou agora e já quer sentar na janela.

X - Tchutchuca, além do CNPJ, você tem que estar em dia com o IPVA, o IPTU e o IBGE.

C – Mas a gente é inocente!

G - Foi só um xixizinho!

S – Ah, é? E o desfile? Por acaso vocês estavam regularizadas? Pagaram o ECAD? A LIESA? O Sindicato dos Artistas? A SBAT? E o imposto sobre movimentação da poupança?

G – Mas que poupança?

X (batendo na bunda de Gilda) – Essa aqui, tchuchuca!

(Gilda grita e sai correndo)

C – Muito bem. E se a gente não estiver regularizada?

S – Bom, nesse caso eu... recomendo que vocês se inscrevam na lei Rouanet e entrem na fila pra esperar patrocinador.

X – Se precisar, eu posso enquadrar vocês... no projeto. Mas precisa ter o PRONAC aprovado ou protocolado, um contador, e mais PIS, PASEP, um sonrisal e 20 hollywoods sem filtro. Além, é claro, dos 20% da minha captação.

C – Mas isso tudo só pra ficar aqui... na maior roubada?

G – Socorro! Chame... chame o ladrão! Chame o ladrão!

T – Atenção: se chamar o ladrão, vai ter que pagar o imposto sobre as chamadas telefônicas. E não fique usando trechos de música dos outros: pirataria é crime!

X – Vocês vão precisar também de nota fiscal pra tudo isso. Se precisar, eu posso fornecer uma com imposto mais baixo. Fria, naturalmente.

G – Numa fria estamos nós. Ai, Camilinha, maldita hora que a gente resolveu tomar aquelas latinhas de cerveja.

C – E você já viu carnaval sem cerveja, Gilda? 

X – Então, Tchutchuca? Ou dá ou desce.

C – Bem, vou dar, né?

G – Camilinha?!

C – Economia de mercado, Gilda: em tempos de falência, a gente abre parceria.

X – Me acompanhe até atrás da cortininha por favor, pra assinatura do contrato. (saem)

T – E você? Tá curtindo o carnaval?

G – Maldita cervejinha!


FIM


________________________________
PAPO DE ESTRELAS
                                                De Oscar Calixto

 (Um banco ou três cubos estão organizados no centro do palco. A luz sobe gradualmente. No banco (ou nos cubos) está sentada uma velha (Gabriela)  fazendo crochê ou tricô. De um dos lados do palcos entra Anita (outra velha). É dispensável a caracterização com maquiagem, talcos e outras coisas do tipo. A diferenciação é unicamente feita com o trabalho de composição dos personagens.)

GABRIELA (ajustando os óculos para ver melhor)
Menina,  é você, Anita?

ANITA (Ajustando os óculos para ver melhor)
Sou! Mas quem é... Mas não é possível, menina! Como é? Rafaela!

GABRIELA
Rafaela? Não é Gabriela, menina! Você me confundiu com a outra Gonçalves.

ANITA
Confundi! Mas eu disse Gabriela, menina!

GABRIELA
Não, você disse Rafaela!

ANITA
Ah, você está querendo me enganar! Eu disse seu nome! Disse!  Tenho memória boa, menina! Você não lembra quando eu fiz aquela substituição naquele espetáculo... Como é... Do Shakespeare! Machtub! Não, Macfet... Não, Macbeth! Macbeth!  Você não lembra?

GABRIELA
Não, não lembro! Quando foi isso?

ANITA
Ah, não faz tanto tempo assim, menina... Foi um dia desses!

GABRIELA
Mas qual dia? Eu não lembro! E olha que vou a todos os espetáculos do Rio de Janeiro! Inclusive esses que incentivam os novos dramaturgos! Adoro os novos dramaturgos! São tão divertidos... Às vezes eu não entendo porcaria nenhuma do que eles dizem, mas eu adoro! Me lembra meus tempos de Woodstock. Quanta loucura em Woodstock! Mas... Do quê que a gente tava falando mesmo?



ANITA
De Woodstock!

GABRIELA
Ah, mas por que que eu falei em Woodstock?

ANITA
Por causa da maconha?

GABRIELA
Ah, lembrei, por causa dos novos dramaturgos! Mas por que que eu falava dos dramaturgos!

ANITA
Caramba menina! Tu tá com Als Immer, heim? Ou é isso ou foi muita maconha em Woodstock! Pra você ver como são as coisas, quando era nova se gabava de ter memória de elefante! Agora, suponho, formigas têm memória melhor que a sua!

GABRIELA
Você é invejosa, isso sim! Eu sou a única atriz do Brasil que tem a lista telefônica do Rio de Janeiro inteira na cabeça! Nunca precisei consultar a telefonista! Você quer me testar? Vamos lá me teste! Diga um nome de quem você quer saber o telefone! Vamos, diga! Mas tem que ser nome completo!

ANITA
Duvido que você saiba isso!

GABRIELA
Eu sei! Estou dizendo!

ANITA
DUVIDO!

GABRIELA
Então pergunte!

ANITA
O telefone do Paulo Autran!

GABRIELA
Ah, esse eu não posso dar não!

ANITA
Por quê?


GABRIELA
Você não soube? Ele morreu, menina! Morreu!

ANITA
Morreu?

GABRIELA
Morreu sim! Morreu!

ANITA (Extremamente emocionada)
Ah, meu Deus, mas eu gostava tanto dele! Tão bom ator! Tão bom ator!

GRABRIELA
É, mas morreu!

ANITA
Não fale assim... Estrelas não morrem! Estrelas mudam de lugar!

GABRIELA
É... é sim... Vovó já dizia assim... Estrelas não morrem, não morrem nunca!

ANITA
Pobre Paulinho!

GABRIELA
Você fala como se o tivesse conhecido!

ANITA
Eu o conheci sim... Conheci... Ele fez parte da minha vida... Com cenas emocionantes! Emocionantes! Eu vi O avarento! Eu vi! E quando nova fiz uma cena belíssima com ele! Ainda me lembro do texto!

GABRIELA
Lembra? Então diz!

ANITA (mudando de ângulo sutilmente como se estivesse numa tela de cinema)
Era... (pausa) Era... (pausa) Era... (pausa)

GABRIELA
Era esse o texto? Era, era, era?

ANITA
Não, minha filha, o meu texto eram as pausas! Você não viu minha expressão facial?


GABRIELA
Desculpe eu não notei!

ANITA
Mas eu fiz!

GABRIELA
Então culpe o seu botox! Não vi um músculo se mover!

ANITA
Pois está na hora de trocar os seus óculos! Meu botox não tem nada a ver com isso. É formidável! Conserva meu ar de juventude!

GABRIELA
E tira o ar da magnitude! Olho para você e penso com que criatura se parece!

ANITA
Você está é com inveja de mim! E tudo isso porque está na geladeira! Ahaha! Os diretores ainda me chamam minha filha! Ainda me chamam! Eles sabem que sou uma estrela!

GABRIELA
Só não sabem... (esticando a cara exageradamente com as duas mãos) que as estrelas mudam tudo de lugar!

ANITA
Pelo menos a Globo ainda me chama!

GABRIELA
A Globo? Eu pensei que era a Record! Pra fazer mutante! Seria mais convincente! Bem mais convincente! Nem ia precisar de maquiagem! Era só colocar sua imagem crua na frente da câmera e pronto! Eis ali a mulher elástico!

ANITA
Nossa eu estou vendo que você continua a mesma recalcada de antes! E tudo isso porque ficou com Als Immer! Mas você me enrolou... E eu não esqueci disso não! Não me deu o telefone do Paulo Autran. Mas eu vou te pedir agora o telefone do Fausto Silva!

GABRIELA
Da Globo? Ele não está na lista! Diga outro! Vamos diga!

ANITA
Da Luana Piovani!



GABRIELA
Luana Piovani... É 385-2133! E eu te mostro ainda! (Puxando uma lista telefônica antiga) Porque eu sou assim! Mato a cobra e mostro o pau! olha aqui! Luana Piovani! Viu? (Anita ri) Do que você está rindo? Do que você está rindo? Eu heim? Parece louca!

ANITA
Gabriela, me diz uma coisa: Você sabe a data dessa lista? É de 1951! Os telefones agora tem 8 números! Esse só tem 7! E essa Luana Piovani. Não é essa lourinha bonita não! Essa daí é outra!  E no mínimo é bisavó dela! Com certeza! Com certeza!

GABRIELA
Quer dizer que isso hoje de nada vale?

ANITA
Não!

GABRIELA
E eu que pensei que tive algum êxito nessa vida!

ANITA
Por decorar a lista telefônica? Ahahah... Vamos e venhamos! Grande êxito o seu! Mas vou lhe dar uma outra chance: Me descreva um espetáculo que você fez... Pode ser qualquer um, menos o último!

GABRIELA
Ah, isso é mole! Maria Stuart! Eu tinha uma cena linda! Fazia Elizabeth! Adorava todo o texto. A crítica dizia que as palavras em minha boca eram como o pólen de uma flor enaltecida. Eu estava no auge da minha carreira! Da minha vida!

B.O.  NO BANCO E  FOCO AO LADO, ONDE A MESMA ATRIZ FAZ GABRIELA JOVEM.

GABRIELA
Chamas-me de bastarda... Todavia, sê-lo-ei somente enquanto respirares.

VOLTANDO AO BANCO.  B.O.  CENA AO LADO. LUZ NO BANCO

GABRIELA
Todavia... Todavia...

ANITA
Bravo! Bravo! Falou lindamente! Também lembro do meu auge... Foi em Bodas de Sangue.

B.O.  NO BANCO E  FOCO AO LADO, ONDE A MESMA ATRIZ FAZ ANITA JOVEM.


ANITA
E pára ali, bem no abrigo onde trema emaranhada a obscura raiz do grito.

VOLTANDO AO BANCO.  B.O.  CENA AO LADO. LUZ NO BANCO

ANITA
E as vizinhas, ajoelhadas no chão, choravam

GABRIELA
Todavia... Todavia...

ANITA
Choravam e choravam ajoelhadas no chão!

GABRIELA
Será que um dia aparecerão autores tão grandes como esses, Anita?

ANITA
Poderia responder com o silêncio de Hamlet?

GABRIELA (ajoelhando-se pela excitação)
Não, me responda honestamente! Me responda, vamos! Não deixe a degeneração afete seu cérebro nesse momento! Olhe para mim e responda!
                             
ANITA (ajoelhando-se para falar com a amiga)
Se ninguém acreditar e incentivar, minha querida, não sei não... Não sei não...

GABRIELA
Já pensou o mundo sem os autores, Anita? Sem uma pessoa que escreva? Será que teríamos teatro? E atores e atrizes? O que seria do mundo sem uma pessoa que escreva, Anita?

ANITA
Seria um mundo de gente órfã, como as Vizinhas de Lorca, que terminam um espetáculo ajoelhadas no chão!

B.O. GRADUAL
FIM.