Abaixo, uma palhinha do que foi a noite.
TREM DAS CORES, de Cristina Fagundes - Música: Trem das Cores
Com Marino Rocha e Priscila Assum
Direção: Breno Sanches
AQUARELADO BRASIL, de Ivan Fernandes Música: London London
Com Cláudio Amado e RitaFisher
Direção: Luiz Otavio Talu
Músic:a Não Enche
Com Zé Guilherme Guimarães e Flavia Espirito Santo
Direção: Paulo Mathias Junior
TANTO QUERER de Renata Mizrahi – Música: O Quereres
Com João Rodrigo Ostrower e Mariana Costa Pinto
Direção: Luis Carlos Nem
NÃO, EU DISSE NÃO, de Cesar Amorim – Música: Meu Bem, meu Mal
Com Renato Albuquerque e Ana Paula Novellino
Direção: Miguel Thiré
TIGRESA, de Regiana Antonini
____________________________________E como já é de costume a cada final de apresentação do Clube da Cena Unplugged, o público vota nas cenas que mais gostou e elas vão para o youtube.
E as cenas escolhidas na segunda noite foram:
Tigresa, de Regiana Antonini
Clique aqui e veja a cena no youtube.
Segue o texto na íntegra.
TIGRESA
PENUMBRA. OUVE-SE A MÚSICA “TIGRESA” (CAETANO VELOSO). A LUZ, AOS POUCOS, REVELA DAGMAR (UMA TRANSEXUAL) DUBLANDO A MÚSICA, VESTIDA COM: MEIA ARRASTÃO, SAPATO DE SALTO BEM ALTO, VESTIDO CURTO DE ONÇA, LUVAS 7/8 E OBVIAMENTE UMA PERUCA LOURA ATÉ A CINTURA. BRINCOS ANÉIS, PULSEIRAS E COLARES. CANTA FAZENDO UMA COREOGRAFIA NUMA CADEIRA A “LÁ CABARÉ”. UM TEMPO ASSIM. DE REPENTE OUVE-SE A VOZ DE JULIETE (AMIGA MULHER) QUE ENTRA EM CENA.
JULIETE – Dagmarrrrrr!!!!
A MÚSICA PÁRA E A LUZ SE ACENDE COMPLETAMENTE, REVELANDO QUE DAGMAR ESTÁ NO MEIO DA SALA DE UM APARTAMENTO, TIPO KITNET.
JULIETE – Dagmar! Dag...
DAGMAR – Ai, Juliete! Você desafinou: gritou em lá menor!
JULIETE – Tu tá de sacanagem, né Dagmar? Incorporou a cover da Madonna?
DAGMAR – Pára tá! Saco! Tô aqui ensaiando! Não suporto isso: essas suas entradas de emboscada! Já falei pra você não entrar aqui berrando! Você destrói minha cena!
JULIETE – Que cena, Dagmar?
DAGMAR – Como assim “que cena” Dagmar? A do meu show: “Tigresa de unhas negras”! Eu serei Kelly Stefânia, uma mulher sensualéeerrima, que provoca os homens, seduz, faz com que eles se apaixonem por ela e depois joga todos eles fora! Despreza e destrói o coração deles! Faz com eles o que ela quer, transformando-os em capachos, em ratos, em... pó! Ai, como eu amo essa personagem!
JULIETE – De novo isso, Dagmar? Tu fica aí sonhando... pirando na abobrinha... Ai credo viu! Se um dia tu me ver louca assim, tu me interna, não me deixa solta não, hein!
DAGMAR – Ai, Juliete como você tem uma alma pequena! Você não consegue alcançar a minha arte.
JULIETE – Não consigo mesmo! Até porque nem sei se ela existe!
DAGMAR – Aahhhh... Agora você está me ofendendo, me desrespeitando e isso eu não posso e não vou admitir!
JULIETE – Tá bem! E tu pode me dizer quando e como esse teu show vai sair do plano do sonho e se transformar em realidade?
DAGMAR – Estamos estudando algumas propostas...
JULIETE – Estamos quem cara pálida?
DAGMAR – Eu e minha equipe. Sim porque eu tenho uma equipe! Várias pessoas que trabalham em prol do meu show!
JULIETE – E eu tenho dois ouvidos pra ficar escutando essas suas sandices. Dagmar, tu tá pior do que eu pensava!
DAGMAR – Querida, presta atenção: eu sou uma estrela! Uma estrela em ascensão! Todos querem estar perto de mim! Não te contei? O Sérgio Murilo, que é uma pessoa maravilhosa, me convidou pra fazer essa personagem bombástica, numa festa na casa dele. Vou sair de dentro de um bolo de oito andares! Acontece que a festa foi adiada! E o Sérgio Murilo, que é simplesmente genial resolveu transformar a festa numa performance. E o primeiro lugar onde vamos nos apresentar será no aeroporto. Na pista! Depois, será a vez do cemitério. A primeira pessoa vip que fizer a passagem será presenteada com a minha voz! Eu vou cantar pra ela subir! (RI)
JULIETE – Chega, Dagmar! É muita porra louquice junto! Tenho que ficar te colocando na real todos os dias! Dagmar tu é apenas uma camareira! Pronto, falei! Se liga, fofs!
DAGMAR – A inveja não mata apenas, ela, antes de matar provoca uma enorme confusão na cabeça das pessoas. Presta atenção: eu não sou camareira Eu estou camareira! Passando por uma fase back stage! E depois, todas - eu disse “todas” - as divas do nosso teatro, do nosso cinema me querem, me desejam ao lado delas! E tudo isso por quê? Ora queridinha, eu sou profissional! Entro de corpo e alma em tudo o que faço! Sou intensa! Sou profunda! Sou feliz! E tenho dentro de mim, essa alma de artista! Ai, como é bom poder tocar um instrumento!
JULIETE – É bom também arrumar a casa de vez em quando, sabia?
DAGMAR – Agora não posso. Tenho que me preparar pra minha filmagem! AH!!! Eu te contei? Vou fazer o filme! Lembra aquele teste que eu fiz pro filme do Tom Cruise?
JULIETE – Aquele em que EU trabalho?
DAGMAR – Sim, querida, servindo café e bolinho, né? Sim porque alguém tem que fazer isso pra gente! Então, passei! Ai, como eu sou dinâmica! Jogo nas 11, fofa! (VAI SE EMPOLGANDO E FALA VOZ SENSUAL, MEIO ROUCA, COMO SE ESTIVESSE DANDO UMA ENTREVISTA) Sim eu estou muito feliz, muito emocionada... Pra mim é um prazer enorme estar participando desse projeto... Eu fui convidada pelo David, que é uma delícia de pessoa, pra fazer essa personagem deslumbrante. E o David, ele é simplesmente genial! Ele chega no set e sabe exatamente o que vai fazer, sabe o que quer da cena, dos atores, então, o nosso trabalho, nesse sentido foi muito fácil. Eu gravava cerca de cinco, seis cenas por dia. Não, não tive pudor nenhum, confiei na direção do David. Esse filme é um filme de amor, de sedução e a minha personagem, que é uma dançarina de cabaret, sim ela trabalha no “frenetic Dancing Days”! Então precisava mesmo ser bem sex appeal, bem felina mesmo! Eu quis fazer todas as cenas, não usei dublê! Dancei em todas! O nu é completamente artístico! As cenas de sexo foram feitas focadas no sentimento da personagem e não no sexo propriamente dito! Então, ficou lindo! Sem falar que contracenar com o Tom foi divino! Ele é um cara que sabe tudo realmente, além de ser um homem muito sensual! Espero que vocês aí no Brasil curtam assistir o filme tanto quanto eu curti fazê-lo!
JULIETE – Chega, Dagmar! Pirou? Volta pra terra!
DAGMAR – Hã? Acho que me empolguei e comecei a dar uma entrevista para o Tele-Cine Pipoca! De repente, eu já estava ensaiando as minhas respostas! É que sou geminiana, com ascendente em aquário e a lua em leão, ou seja sou muito rápida!
JULIETE – E da onde você tirou que vai dar uma entrevista para o Tele-cine Pipoca?
DAGMAR – Como da onde? O David é um diretor americano, que se encantou comigo, com o meu potencial, com o meu talento! Quer me lançar, hunny! Porque então, eu não daria entrevista para o Tele Cine Pipoca ou para o Sony Enterteiment Television?
JULIETE – Porque pelo que eu saiba, tu só faz uma ponta nesse filme.
DAGMAR – Querida, eu nunca faço ponta! Quem faz ponta é lápis! Presta atenção: eu faço uma participação no filme do Tom. Uma participação muito especial!
JULIETE – Ah, é! Uma participação especial de uma cena só, onde você entrega uma carta para a criada e diz “this letter is for Mrs Jones”!
DAGMAR – A nível de dúvida, querida: você leu o roteiro? Porque se você realmente leu o script, você deve saber que esta carta é fundamental para a história. Mrs Jones está há semanas esperando por ela. Então, eu não entrego uma carta não, eu entrego “a” carta! A chave de todos os segredos! A revelação de um grande mistério!
JULIETE – E daí?
MICHEL – Como e daí? Tá louca bicha? Não pode ser qualquer atriz nesse papel não! Tem que ter peso dramático, porra! Eu fiz teste...
JULIETE – Pra testar o seu inglês e não a sua interpretação!
DAGMAR – Juliete, olha só: eu já nasci predestinada! Tenho até um nome artístico de estrela! Rebeca Fonda!
JULIETE – Teu nome é Dagmar da Silva! Não se esqueça que você tem o da Silva!
DAGMAR – Cala a boca! Eu já cortei o da Silva há muito tempo! E ser Dagmar é só um detalhe! Detalhe bobo! Meu nome artístico é Rebeca Fonda! Querida, sou operada! Se troquei de sexo, trocar de nome é pinto! (VIRA E FALA TIPO DUBLANDO COMO AS VINHETAS DO TELECINE E DO CANAL SONY) “Oi, eu sou Rebeca Fonda e eu assisto o Tele Cine Action!” Ou então: “Hello, I’m Rebeca Fonda! You are watching the Sony Entertement Television!”...
JULIETE – Dagmar, o pior é que tu acredita mesmo que isso vai dar certo...
DAGMAR – Óbvio! Amanhã, quando eu for gravar a cena da carta, eu vou fazer aquele meu olhar lânguido, meia taça, tipo “Angelina Jolie”, manja? Aí, vou olhar pro Tom e dizer: (VOZ ROUCA SENSUAL) “Hellô,Tom, nice to meet you! I’m Rebeca Fonda, a brasiliam actriz!” (VOLTA A VOZ NORMAL) E aí, quando o diretor disser “Action”! Eu faço meu olhar fatal e digo o meu texto: (VOZ ROUCA) “this letter is for Mrs Jones! Please tell her that I am here”!
JULIETE – Que texto é esse?
MICHEL – Eu criei! Pra dar mais coerência à minha personagem, a Pâmela...
JULIETE – Que Pâmela? Sua personagem não tem nome! Não existe nenhuma Pâmela! No roteiro está escrito: entra uma “pessoa” e entrega a carta para a criada de Mrs. Jones.
DAGMAR – (SEM OUVIR JULIETE) Eu até pensei em colocar mais uma frase: (VOZ ROUCA) - “this letter is for, Mrs Jones! Please tell her that i am here”! She is waiting for me!”
JULIETE – Vem cá, você vai filmar num set ou num aeroporto? Sim porque tu tá falando que nem a Iris Letieri anunciando o embarque do próximo vôo!
DAGMAR – A inveja mata mesmo!
JULIETE – E a ilusão pira o cabeção!
DAGMAR – Que ilusão! Eu tenho certeza que o Tom Cruise vai me olhar e imediatamente perceber que eu sou uma atriz assim... promissora e claro, vai querer me comer!
JULIETE – Caraca! Agora tu pirou de vez! Tu acha mesmo que o Tom Cruise vai querer te comer?
DAGMAR – Acho não, tenho certeza! Vou te contar um segredo: ele já me quer!
JULIETE – Hein, Dagmar?
DAGMAR – Ele me olha com olhos famintos!
JULIETE – Deve estar te confundindo com uma avestruz!
DAGMAR – Pára, tá minha filha! Você não sabe de nada! Eu fui lá no set hoje ver as filmagens! Quando ele me viu, cochichou alguma coisa no ouvido do produtor que veio imediatamente me perguntar quem eu era!
JULIETE – Claro, uma pessoa louca que invade o set e fica lá, comendo O Tom Cruise com os olhos causa um tipo de estranhamento, curiosidade! Então, ele mandou perguntar quem era você, porque não te conhecia! Achou que fosse uma figurante cara de pau, que é o que você realmente é: figuração com fala, pronto, falei!
DAGMAR – Vem cá, é impressão minha, ou você está querendo bater boca comigo?
JULIETE – Não quero bater boca com ninguém! Eu quero é que tu caia na real!
DAGMAR – Quem tem que cair na real aqui é você! Presta atenção: sua amiga aqui é uma estrela! Pronto, falei! Agora, lida com isso!
JULIETE – Dagmar, tu precisa voltar a fazer terapia! E rápido!
DAGMAR – Não posso! Os pacientes daquela clínica me descobriram! Fica todo mundo querendo autógrafos, fotos comigo! É um inferno! Fico exausta, sufocada! Me sinto invadida!
JULIETE – Imagino...
DAGMAR - Mas, fazer o quê? Essa é a minha profissão! O assédio faz parte! Então, faço assim: se não tô num dia bom pra dar autógrafos e ser simpática com o meu público, nem saio de casa!
JULIETE – Você tem razão! Melhor ficar em casa mesmo...
DAGMAR – Mas o pior são os paparazi! Me seguem o tempo todo! (APONTA) Olha pela janela... Viu? Deve ter uns trinta lá embaixo! Daqui a pouco, piram mais e alugam aquele apartamento ali da frente, só pra poderem me pegar tomando banho e tirar uma foto espontânea! (COLOCA BONÉ E ÓCULOS ESCUROS) Agora, só posso sair assim: disfarçado! Eu tava até falando com o Gi...
JULIETE – Gi? Quem é Gi?
DAGMAR – Giani...
JULIETE – Giani...?
DAGMAR – Chinni!
JULIETE – Ah, tá! Agora, que o Tom Cruise vai te comer, claro, você virou a melhor amiga do Gianechinni! Vem cá, ele também não quis ter um casinho com você?
DAGMAR – Pára tá! Não tenho nada com O Gi. Tô cansada de ter que ficar desmentindo coisa! Somos só bons amigos! O que a gente tem é uma boa química! Isso confunde a cabeça das pessoas, é natural, mas é só cena mesmo!
JULIETE – (DEBOCHADA) Ah, é, eu me esqueci que tu fez uma novela com o Gianechinni...
DAGMAR – Não fiz, não! Não fiz, mas vou fazer! E será um filme! E como eu sei que as cenas serão bem quentes, eu já tenho as respostas na ponta da língua!
JULIETE – Eu fico impressionada com a certeza que tu tem das coisas! É incrível isso! Tu é abusada mesmo!
DAGMAR – Sou, querida! Mas eu posso ser! E digo mais: com esse filme, eu serei a primeira atriz brasileira a ganhar o Oscar! Sim porque a Fernanda foi só indicada! Não vale!
JULIETE – Pronto, era o que faltava para o Brasil se projetar: além de ter tido um presidente que nasceu pobre e conseguiu vencer agora, uma atriz brasileira, operada, completamente desconhecida, faz um filme com o Gianechinni, que também é brasileiro, e ganha o Oscar, coisa que o mundo do cinema americano sonha! É fantástico! Eu tô achando que tu não é abusada só não, tu é maluca mesmo, louca de pedra!
DAGMAR – Não, meu bem, eu vi o “The Secret”! Você não deve ter visto, por isso está boquiaberta com o meu destino! O segredo é você dar ordens para o universo! Você manda e ele obedece! Se eu estou dizendo - e quando eu digo, eu logo acredito - que serei uma estrela universal, é porque isso vai acontecer! Então, eu estou me preparando para esse momento da minha vida que já está praticamente batendo na minha porta! Toc, toc, toc! Quem é? É a fama! O sucesso!
JULIETE – Isso significa, que se eu quiser, me ver livre de você, é só eu ordenar ao universo, que você some rapidinho?
DAGMAR – Juliete, amada: você jamais vai querer sair de perto de mim! Sabe o que vai acontecer com você? Será minha assessora! Vai ter emprego garantido pro resto da vida! E vai ganhar em euros! Sim, porque eu vou morar numa mansão na Grécia!
JULIETE – Ok! Pra mim já deu. Eu não vou falar mais nada! Até porque, eu estou atrasadíssima! Vou lá servir os meus bolinhos e os meus cafés! Adeus, tigresa! (SAI)
DAGMAR – Coitada da Juliete... Tá completamente derrotada pela vida! (P/ PLATÉIA, NO CLIMA DA ENTREVISTA) Eu ainda estou estudando alguns roteiros... Também fui convidada pelo Silvinho... Silvio... De Abreu! Então, o Sil me convidou pra fazer uma personagem maravilhosa na sua novela... É, eu ia ser a vilã da trama! Mas aí, a Mariana Ximenes foi lá, pediu pra ele, e como o Silvinho é um gentleman, acabou dando o papel pra ela. Aí ficou cheio de dedos pra falar comigo. Eu disse: Sil, fofo, relaxa! A Mari vai fazer bem! Vai fazer par com o Tony! Adoro o Tony! A gente tem uma boa química em cena! Em cena, hein! Escreve direito, se não a mulher dele me mata! Ah, rola um ciume, sim! Rola, pronto, falei! O quê? Namorando? Olha só, eu realmente não quero falar sobre esse assunto! Vamos falar sobre o meu show? “Tigresa de unhas negras!” Também adoro o nome. Tem tudo a ver comigo! Claro, vou dar uma palinha, tá! Em primeiríssima mão!
VOLTA A CANTAR E DANÇAR A MUSICA TIGRESA, COMO NO INÍCIO DA CENA.
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A outra cena é Não, eu disse não, de César Amorim
Clique aqui para ver a cena no youtube.
E segue o texto na íntegra.
NÃO, EU DISSE NÃO.
De César Amorim.
DO FUNDO DO PALCO, WANDERLÉA, COM UM ANEL DE LUA E ESTRELA NO DEDO, ENTRA DE PRETO, SEGURANDO UM BUQUÊ DE FLORES, E PARA NO PROCÊNIO. ELA ESTÁ MUITO TRISTE.
WANDERLÉA – Escolha e perda. Uma não vive sem a outra. Perder pra mim é como ser amputada. Quando terminei meu noivado com o Erasmo, semana passada, em pleno altar, por causa do Roberto, saí por cima. Mas bastou descer os degraus da igreja pra me sentir amputada. Eu tenho um sonho recorrente: eu, toda de preto, numa penitenciária de segurança máxima, numa cela minúscula, com um número 30 na porta e sendo chamada de balzaquiana pelas outras detentas. Acho que isso é um presságio. Não casar, pra mim, é o isolamento social. Todas as minhas amigas se casaram antes dos 30. E eu tenho que seguir o padrão. Sou muito focada, corro atrás dos meus objetivos. Foi assim quando perdi a virgindade. Escolhi a vítima, mirei e fui com tudo. Foi uma merda. Não perdi a virgindade com ele. Eu tinha o hímen complacente. Perdi pro médico que me operou. E, claro, quase me apaixonei perdidamente por ele. Um bisturi na minha vagina e eu fantasiando com o homem, gente. Com o homem que me amputou. Bom, eu achava que isso não importava mais. Que o que importava era que ali estava eu no enterro da Sarah Jéssica. Por causa da morte da minha melhor amiga, eu podia estar deixando de conhecer o homem da minha vida. O nick, as fotos, o papo, tudo me levava a crer que ele podia ser O cara. Eu enterrava a minha cadelinha e pensava nisso. Fazer o quê? Escolhas. Perdas. Amputações.
ELA, MUITO EMOCIONADA, COLOCA, DELICADAMENTE, O BUQUÊ NO CHÃO E FAZ UMA ORAÇÃO SILENCIOSA. DO FUNDO DO PALCO, ENTRA CAETANO, CERCA DE 40 ANOS, TAMBÉM DE PRETO, ÓCULOS ESCUROS, COM UMA ROSA NAS MÃOS E PARA AO LADO DELA. ELA NÃO O PERCEBE DE IMEDIATO. ELE DEPOSITA A ROSA AO LADO DO BUQUÊ, NO CHÃO.
CAETANO – Vai fazer muita falta.
WANDERLÉA – Oi?
CAETANO – Sarah Jéssica. Era uma boa companheira.
WANDERLÉA – Você conhecia a Sarah Jéssica?
CAETANO – Claro. Uma alma boníssima. E de uma fidelidade, desculpe o trocadilho, canina.
WANDERLÉA – Obrigada, mas quem é você?
CAETANO – Um velho amigo da família.
WANDERLÉA – Eu sou a família da Sarah Jéssica e ela nunca me falou de você.
CAETANO – É... normal. Compreensível. Ela tinha certa dificuldade em pronunciar o meu nome.
WANDERLÉA – Olha, legal, você é super espirituoso, mas eu não tou com clima pra brincadeira. Fala logo quem você é.
CAETANO – Prazer, “Mulhersolteiraproocura29”, eu sou o “Ultimoromanticorj”.
WANDERLÉA – Meu Deus, você é o... Não, não pode ser.
CAETANO – Por quê? Tou tão diferente assim?
WANDERLÉA – Não, não é isso. Quer dizer, é isso também. Você não tem nada a ver com a foto. E eu não te disse que ia enterrar minha cachorra. Como você...?
CAETANO – É, a foto não me valorizou o suficiente.
WANDERLÉA – Pelo contrário, ela te valorizou demais. Querido, aquela foto não é sua.
CAETANO – Claro que é. Eu tirei ela. Sou fotógrafo. É minha.
WANDERLÉA – Isso é alguma piada? Você colocou uma foto... não, uma só não, você colocou várias fotos de um cara que não tem nada a ver com você. E... espera... eu acho que te conheço. Tira os óculos.
ELE, LENTAMENTE, TIRA OS ÓCULOS.
WANDERLÉA – Eu te conheço sim! De onde, meu Deus?
CAETANO – Eu fui o primeiro homem da tua vida.
WANDERLÉA – Como é?
CAETANO – Você não pode ter esquecido. Não se esquece uma coisa dessas.
WANDERLÉA – O que você tá dizendo é impossível. O meu primeiro homem foi o meu primeiro namorado.
CAETANO – Não. Não foi teu namorado. O teu primeiro homem fui eu. Eu sei, e você sabe que eu sei. Esse cara pode ter sido o teu primeiro amor, mas o homem que te fez mulher fui eu.
WANDERLÉA FICA CHOCADÍSSIMA.
WANDERLÉA – Meu Deus!
CAETANO – Eu marquei demais, tou sabendo.
WANDERLÉA – Você foi o meu... o meu ginecologista! Doutor...
CAETANO – Caetano. Eu fui ou não fui teu primeiro homem?
WANDERLÉA – Claro que não.
CAETANO – Não foi isso que você me disse no consultório, na hora em que eu estava tirando tua virgindade.
WANDERLÉA – Eu era uma garota. Romântica. Você era bonito, carinhoso, atencioso. E eu de pernas abertas, carente, vulnerável. Gente, qualquer menina fantasiaria.
CAETANO – E qualquer homem se excitaria.
WANDERLÉA – Não, só os doentes como você.
CAETANO – Não fala assim. Você foi a primeira mulher que tirei a virgindade. E a última. Nunca mais peguei um caso de hímen complacente. E todas as namoradas que tive já haviam dado pra outros. Umas piranhas, vagabas, vampiras, mesquinhas. Você não. Você é o meu vício, desde o início.
WANDERLÉA – Que vício, gente? Início do quê?
CAETANO – O início da nossa relação. Do nosso caso de amor.
WANDERLÉA – Que amor, garoto? Que amor? O nome disso é obsessão.
CAETANO – O nome disso é amor verdadeiro. E não aquilo que aquele idiota do Erasmo sentia por você.
WANDERLÉA – Você sabe do Erasmo?
CAETANO – E do Roberto. Eu tava na igreja... fotografando. O Erasmo me contratou. Eu não esperava aquele show. Roberto dizer que tava amando loucamente a namoradinha do melhor amigo foi demais. E as fotos da cara do Erasmo ouvindo isso ficaram impagáveis.
WANDERLÉA – Você tava me seguindo? Mas, no dia do meu casamento, a gente não tinha teclado ainda.
CAETANO – Claro que já. Eu não sou o único amigo virtual que você tem. Prazer, eu também sou a “Jéssicacarente” e a “Mulherprecisadehomemjá”.
WANDERLÉA – Não! Não é possível. Elas são as minhas melhores amigas virtuais! Eu vi as fotos delas.
CAETANO – Lindas, não? São minhas modelos. Assim como o rapaz que emprestou o corpo pra ser eu. Fotografar é um dos meus hobbies.
WANDERLÉA – Mas como? Não me diz isso! Elas não podem ser de mentira. Elas fazem parte da minha vida. Eu amo elas.
CAETANO – Eu sabia que ia ouvir isso de você. Eu também te amo.
WANDERLÉA – Desde quando você me persegue?
CAETANO – Desde quando você ganhou esse anel.
WANDERLÉA – O que é que tem esse anel?
CAETANO – Era da minha mãe. Estava no penhor e foi a leilão. O Erasmo arrematou e te deu de presente. Eu tentei dar o maior lance, mas ele venceu. Aquele filho da puta tirou a última lembrança da minha mãezinha. Eu tinha prometido a ela, no leito de morte, que iria trazer o anel de volta pra nossa família. E foi o que tentei fazer. Passei a seguir o Erasmo e vi o dia em que ele te deu e te pediu em casamento. Eu não acreditei. Te reconheci de imediato. A mulher que eu desvirginei estava usando o anel da minha mãe. Era um sinal. Minha mãezinha me levou até você, meu amor.
WANDERLÉA – Olha, é realmente linda a sua psicopatia, tocante, mas eu não posso cuidar de você. Sou atriz e o máximo que me aproximei de gente maluca foi fazendo teatro empresa nas plataformas da Petrobrás. Saia daqui, por favor. Eu não quero nada com você.
CAETANO – Mas eu sou ideal pra você. Eu correspondo perfeitamente às três principais qualidades que você procura num homem. Primeiro, sou heterossexual, convicto. Segundo, tenho bons dentes. Meses no dentista pra ficar do jeito que você gosta. E terceiro e o motivo maior da minha demora em me revelar.
ELE TIRA UMA PÁGINA DO DIÁRIO OFICIAL DO BOLSO.
CAETANO – Sou empregado público. Depois de anos estudando passei em primeiro lugar no concurso pra médico do estado. Saiu hoje o resultado. Tá aqui, ó, o Diário Oficial. Tá vendo? Melhor partido do que eu não há. Então, vamos?
WANDERLÉA – Pra onde?
CAETANO – Pra nossa casa. Vai, fala que sim.
WANDERLÉA – Você é uma criatura, no mínimo, apavorante. Vem com esse olhar de maníaco sexual, no enterro da minha cadela, querendo que eu diga sim? Pois bem, leia nos meus lábios, Norman Bates. A minha resposta é NÃO! Eu disse NÃO!
CAETANO – E eu digo sim. Eu digo não ao não.
WANDERLÉA – Esse papo seu tá qualquer coisa. Você tá pra lá de Marrakesh, seu doente.
CAETANO – Doente? Quem é mais doente aqui? Eu, que amo você à distância há anos e que sei tudo da sua vida, que te conheço bem, ou você, que quer casar com um homem qualquer em poucas semanas só pra não chegar aos 30 anos solteira? Me diz, quem é mais doente?
WANDERLÉA – Tá, tudo bem, estamos competindo pelo ouro, mas não vou me casar com um homem qualquer, vou casar com o homem certo. E ele, definitivamente, não é você.
CAETANO – Acho que a sua certeza acaba hoje. Aqui. Se o seu homem certo não sou eu, não será mais ninguém. Nós dois, juntos, vamos fazer companhia a Sarah Jéssica.
ELE RETIRA UM PUNHAL DO BOLSO, ENROLADO NUM LENÇO, E MOSTRA PRA ELA.
WANDERLÉA – Esse punhal é meu. Foi do meu pai. Onde você conseguiu?
CAETANO – Numa das muitas vezes em que fui te ver dormindo no teu quarto. Ainda tem tuas digitais. Foi uma troca justa. O anel da minha mãe pelo punhal do teu pai.
ELE PARTE PRA CIMA DELA, SEMPRE SEGURANDO O PUNHAL COM O LENÇO. ELES LUTAM, ELA PEGA O PUNHAL E ELE SE JOGA SOBRE ELE, SENDO ATINGIDO.
WANDERLÉA – Ai, meu Deus! Olha que você fez! Socorro! Alguém ajuda aqui!
CAETANO – Você me matou!
WANDERLÉA – Não, você quis me matar, eu só...
CAETANO – Não é o que meus amigos vão pensar. Eles sabiam da nossa relação. E sempre souberam da sua obsessão por mim. Eu era ameaçado por você durante anos e hoje iria vê-la pra resolver essa história.
WANDERLÉA – Isso é mentira!
CAETANO – Fala isso pra polícia. Homicídio doloso. Premeditado. Trinta anos de prisão.
WANDERLÉA – 30 anos! O meu sonho, meu Deus!
CAETANO - Eu te amei tanto, meu bem... meu mal...
ELE MORRE E ELA GRITA.
CONTINUA...
FIM.