De Claudio Torres Gonzaga
CENARIO DE UM PROGRAMA DE CULINÁRIA. UMA MESA. UMA FRIGIDEIRA ENORME (PODE SER A TAMPA DE UM LATÃO, QUE DEVE ESTAR ESCONDIDA), UM QUADRO NEGRO, UM TERMOMETRO AL;SKD VINHETA DO PROGRAMA.
VOZ OFF
E agora A cozinha fácil do Grande chef da cozinha catalã e mediterrânea Felipe Bertrand de la Croix Noiret.
CHEF ENTRA NO CENÁRIO. (SE O ATOR FOR CAPAZ DE FAZER UM BOM SOTAQUE FRANCÊS, VAI FICAR MELHOR. CASO CONTRÁRIO É MELHOR FAZER SEM SOTAQUE.
CHEF
Bom minha querida dona de casa, estamos começando mais um A cozinha fácil do Grande chef da cozinha catalã e mediterrânea Felipe Bertrand de la Croix Noiret. Como vocês sabem o nosso programa valoriza as receitas simples. Aquela comidinha do dia a dia. Receitas pra facilitar a sua vida. Hoje vamos aprender a fazer um ovo frito. Parece simples. E é simples, mas com algumas dicas e o equipamento certo você vai extrair o máximo prazer que um ovo frito pode proporcionar. Primeiro a frigideira certa. Para ovo ficar no ponto certo a frigideira deve ter 86.8 centímetros. (pega a frigideira) Claro que pode ser um pouco mais ou um pouco menos... 86.6 ou 86.9... tudo bem. Dá pra quebrar um galho. Se for outra medida o ovo vai se sentir sufocado. Como se ele nunca tivesse saído de dentro da galinha. Um ovo estressado. E ninguém quer comer um ovo estressado, certo? Depois é um importante calcular o centro preciso da frigideira pra que o ovo fique exatamente ali, para que o calor chegue uniformemente até ele. Isso é muito fácil. (vai até o quadro negro onde o gráfico já pode estar desenhado ou ele vai desenhando, mesmo que não faça muito sentido) Você só vai precisar de um compasso de arquiteto. Você traça a circunferência da frigideira, estabelece dois arcos de circunferência, dividir cada um em duas partes, traçar uma perpendicular ao ponto tangente de cada arco, prolongar as duas retas. O encontro dessa duas retas determina o centro da frigideira. Fácil, não é? Depois é só quebrar o ovo em cima desse ponto central. Claro que pra isso você precisa calcular a distancia entre o ovo e a frigideira levando em consideração a gravidade e viscosidade combinadas de clara e gema e o atrito. Mas isso eu não preciso demonstrar porque qualquer dona de casa sabe. Vamos averiguar a temperatura da frigideira, que não deve ser menos 79 graus, nem mais que 81. É só colocar um termômetro industrial de frigideira e deixar lá até ele atingir a temperatura ideal. Cuidado pois o termômetro não deve ficar bem passado e sim ao ponto. A quantidade de sal, essa sim, tem que ser precisa: 0.8 miligramas, ou se você preferir pode contar os grãos de sal: 202 grãos. Muito fácil. Agora nos já temos tudo pra fazer um legitimo e simples ovo frito: (vai mostrando as coisas) frigideira de 86.8 centímetros, um quadro negro, uma calculadora, um termômetro industrial, sal e... (procura o ovo) Uê cadê o ovo... devia estar aqui... Bom o ovo é só um detalhe. Semana que vem vamos fazer um bife. Preparem seus maçaricos. Até lá.
VINHETA DE ENCERRAMENTO.
FIM
Vídeo da Cena
O PERU
De Ivan Fernandes
1.
Mendes e Costa estão em um aviário. Olham as várias aves.
M – Mas é isso é que eu não entendo, Costa. Por que não comprar um peru congelado, como todo mundo faz?
C – Minha mulher diz que não é a mesma coisa. Meus sogros vão chegar do norte e ela quer impressionar na ceia de natal. E não dá pra discutir com minha mulher.
M – Mas por que tu me chamou aqui? E eu lá vou saber escolher um peru?
C – Mas vai me ajudar a carregar. Olha o tamanho do bicho.
M – Esse lugar parece um campo de concentração.
C – Eu não quero condenar ninguém à morte. Mas não dá pra discutir com minha mulher. Escolhe um aí.
M – Eu não. A ceia não é minha. A mulher não é minha.
C – Pra mim parecem todos iguais. (tapa os olhos) Mi – nha – mãe – man –dou – eu – es – co – lher – es – se – da – qui. (abre os olhos e olha pra ave apontada) É, meu amigo. Sobrou pra você. Até o natal tu vai ter uma vida de rei. Vai comer melhor do que eu. Vai ficar gordo. Depois... bom, depois da tempestade vem a bonança. Quer dizer, é ao contrário. (para o funcionário) Pode embrulhar. Vou levar esse aqui. Ah, não embrulha?
2.
Os dois carregam o peru pela rua.
M – Pô, Costa. Nem pra trazer o dinheiro do táxi?
C – E qual táxi ia aceitar a gente? Se nem no ônibus deixaram subir... anda, só falta uns dois quilômetros...
M – Mas tá um sol da porra... até o peru tá com os bofe pra fora. Bem que a gente podia parar pra tomar uma geladinha. Refazia as energias, e continuava.
C – Mas a minha mulher tá esperando o peru.
M – Uma só. Na sombra.
C – Então tá. Uma só, hein? Eu não quero discussão com a minha mulher. (sentam-se) Ô Bigode! Traz uma aê! E se a gente pedir mais uma, não sirva!
M – (para a platéia) Cerveja 1, cerveja 2, cerveja 3. (para Costa) Vamos pedir a conta?
C- Ô Bigode! A saideira e a conta.
M – (para a platéia) Cerveja 7, cerveja 8, cerveja 9. (para Costa) Eu acho que esse peru tá meio estranho.
C – Parece meio triste.
M – Ânimo, peru!
C – Mas olha o que a gente tá fazendo. A gente é sem educação. Só a gente é que bebe. Ele deve tá triste porque a gente não ofereceu nada pra ele.
M – Que mancada!
C – Ô Bigode, traz uma branquinha aqui pro peru.
M – (para o peru) Tu gosta de whisky?
C – (para a platéia) Cerveja 12, cerveja 13, cerveja 14. (para Mendes) Ih, Mendes!
M – Que foi?
C – Hoje é a final do Mengão, esqueceu?
M – Puta que pariu! Vamo levar esse peru logo! Se não a gente não chega no Maraca a tempo!
C – Tá louco? Se eu aparecer na frente da minha mulher nesse estado, ela não vai me deixar ir ao jogo! E não dá pra discutir com a minha mulher. É melhor a gente ir ao jogo e depois levar o peru.
M – Mas como é que a gente vai entrar no Maraca com ele?
C – Ué, não deixam entrar urubu?
M – Isso foi antes.
C – A gente disfarça. Põe uma camisa do Flamengo nele e um óculos escuros. Ninguém vai notar.
M – Mas eu não aguento carregar ele até lá.
C – Ô Bigode! Arruma aí um carrinho de mão! E a conta! E a saideira!
3.
No Maraca. Narração de rádio de um gol do Flamengo. Som de torcida gritando gol. Costa e Mendes gritam e comemoram o gol do Flamengo, levantando o peru no ar.
C e M – É campeão! É campeão!
Ouvimos uma bateria de escola de samba. Eles sambam com o peru.
C – Pô, peru! Tu é o maior pé-quente.
M – Tu é sangue bom. Pena que vai pra panela.
C – Eu não posso. A gente não pode fazer isso com ele.
M – A gente não. A ceia é tua, a mulher é tua.
C – Não é justo. Que vida que esse peru conheceu? Ficou preso naquele aviário e só. O que ele conhece do mundo? Ele ainda tem toda uma vida pela frente. Quanto tempo vive um peru?
M – Duzentos anos.
C – Isso é tartaruga.
M – Ah, é.
C – Tanto faz. E agora tá condenado a morrer por causa de uma tradição idiota.
M - (para o peru) Eu nem gosto da sua carne. Eu nunca comi nenhum parente seu no natal.
C – Você não entende? Esse peru é um símbolo da gente. Que vida que a gente conhece? O que a gente conhece do mundo? Quanto tempo a gente ainda tem de vida?
M – Duzentos anos.
C – Isso é tartaruga.
M – Ah, é.
C – A gente precisa de um ato heróico. Algo que dê significado à nossa vida! Liberdade para os perus! Nós vamos jogar ele aqui de cima do Maraca.
M – Hein?
C - Tu não lembra quando eles soltaram um urubu que passou voando no campo?
M - Mas era um urubu, não era um peru.
C - É tudo a mesma coisa.
M – Então primeiro tira a faixa de campeão dele.
C – E a camisa também.
M –Mas é o manto sagrado!
C – Como é que ele vai voar de camisa? Prejudica a estrutura dos ossos. O movimento, entendeu?
M – Mas a gente vai soltar ele pra onde? Ele não tem pra onde ir!
C – A gente vai soltar ele de volta na natureza! Lá tem tudo que ele precisa!
M – Que natureza? Onde é que tem natureza por aqui? E tu já viu algum peru andando na natureza?
C – Por isso mesmo! Todos eles estão presos! A gente precisa sensibilizar as pessoas.
M – Tá bom, mas e a tua mulher? Ela não vai se sensibilizar.
C – Justamente! Dane-se! Eu não obedeço mais! Ninguém! Vou aprender com os perus a ser livre!
M – É isso aí! Liberdade para os perus!
C – Me ajuda a desamarrar as pernas dele. Muito bem. (para o peru) Não precisa agradecer, amigo. Um dia a gente vai ser lembrado por isso, Mendes. (se prepara para arremessar o peru)
M – Peraí! Pra que lado tá o vento?
C – Isso importa?
M – Deve importar.
C – Tu já viu algum passarinho molhando a ponta da asa no bico e esticando pra sentir a direção do vento?
M – Não.
C – Então é porque não tem importância nenhuma.
M – (para o peru) Olha, tu se esconde aí em algum lugar até passar o natal. Depois a barra fica mais tranquila.
C – É isso aí! Agora voa peru! Voa pra liberdade!
(jogam o peru. Acompanham com a cabeça o peru despencar e se arrebentar lá embaixo. Olham-se frustrados)
C – (desolado) Pô! Peru não voa?
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