quinta-feira, 11 de março de 2010

Palhinha da semana de estreia no novo Clube da Cena - dia 05/03/2010


MANCHETE:
PROIBIDÃO CARIOCA: ATÉ MULHER É PRESA POR FAZER XIXI DURANTE DESFILE.


PROIBIDÃO CARIOCA
De Ivan Fernandes

Presídio Talavera Bruce. Duas presidiárias (Xerife e Terezão) dormem. Terezão se movimenta, agitada, como se estivesse em um pesadelo, até acordar gritando.

T – Foi ele! Foi aquele cachorro! Pega!

X- (acordando em sobressalto e pegando uma faca) Ele quem? Que foi? Que puta zorra é essa?

T – (caindo em si) Foi mal, Xerife. Eu tava sonhando com meu marido de novo.

X – Porra, Teresão. Toda noite essa merda, agora.

T – O puto me botou na viração, me tomava o dinheiro e ainda me obrigava a vender pó pra ele. E quando eu caí na mão dos home, ele...

X – Foda-se. É problema teu. Se eu quisesse saber de novela, a gente tinha tv aqui.

T – Foi mal, Xerife. Eu não quis...

X – Foi mal o caralho. Agora tu cortou meu ronco. Sabe por que eu tô aqui? Sabe por que me chamam de Xerife?

T – Ouvi falar.

X – Matei pra mais de vinte. Uma piranha a mais não vai fazer diferença. Tu acha que a tua história me assusta? Tu acha que me dá pena? Foda-se! Teu marido te sacaneou? Foda-se! É por isso mesmo que eu não gosto de home. Melhor tu ficar quietinha e não encher o saco.

Gilda e Camilinha, em fantasias de carnaval, são jogadas pra dentro da cela.

X – Eita que a noite tá movimentada. É hoje que eu não durmo mais.

C – (na porta, para o carcereiro, que já se foi) Vocês não podem fazer isso! A gente tem um desfile! a escola depende de nós! Quando eu falar com o bicheiro que é o presidente, lá, o..., esqueci o nome, mas quando eu falar com ele tudo vai ficar esclarecido!

G – Eu disse que tinha visto uma placa de proibido. Eu avisei.

C – Ah, não enche, Gilda. (ainda pra porta) Isso é um absurdo! Aonde estão os direitos humanos? É uma necessidade fisiológica!

T – Saca só essas patricinhas.

 (Xerife e Terezão fazem cara de “carne nova no pedaço”. Gilda nota o clima, mas Camilinha está tomada pela energia do protesto e não repara nada)

G – Camilinha...

C – E que lugar é esse que vocês nos atiram? Quando foi a última vez que esse lugar viu uma faxina? Um paninho molhado que seja. Ninguém tem um sprayzinho de bom ar pra jogar aqui, pelo menos?

G – Camilinha...

C - E esse calor? Não tem um ventiladorizinho, gente? Pelo menos devolvam os nossos leques! Eram plumas de avestruz! E você, Gilda, quê que é? Na hora de falar que o guarda tava vindo não deu um pio. E agora quer falar o quê?

G – Eu nada. Mas elas...(Gilda aponta para Xerife e Terezão, que se aproximam de forma intimidadora)

C – (engole em seco) ( baixo, para Gilda) Diz alguma coisa.

G – (para Xerife e Terezão) E aí, todo mundo curtindo o carnaval? (Xerife e Terezão não respondem e continuam encarando)

C – (baixo) Isso é coisa que se diga?

G –  (baixo) E quando foi que eu conversei com alguém nessa situação? Fala você.

 C - (para Xerife e Terezão) É isso aí, malandragem. Aí galera da 11! Vida bandida! Tá ligado? Primeiro comando! Segundo vermelho! Amigo dos amigos! A comunidade. A periferia. Os mano. As mina.

 G – (sussurra) Ficou maluca?

C – (sussurra) Deixa de ser burra. É melhor você fazer igualzinho. (alto, cheia de gestos) É nóis! Formô! Demorô! (sussurra) Tu sabe o que elas fazem com as novatas? Então é melhor impressionar o pessoal. (alto, fingindo malandra) Dê dois mas mantenha o respeito! Essa onda que tu tira qual é? Essa marra que tu tem qual é?

(Xerife e Sandrão não se alteram e continuam com a mesma cara sinistra)

G – Eu acho que elas não ficaram muito impressionadas não.

X – Qual a sua graça, tchutchuca?

C – (tremendo) Camilinh... Camilão.

T – E veio parar aqui por quê?

C – Por que?... Porque... nesse carnaval eu acordei virada. Acordei doida pra arrumar problema, sacou? Que eu sou assim. Aí eu assaltei um ônibus. Não, uma padaria. Não, eu assaltei um banco mesmo. Peguei minha metralhadora e entrei atirando: todo mundo pro chão! Aí na fuga eu sequestrei o presidente do banco. Sequestrei também as pessoas que tavam passando. Sequestrei a imprensa. Sequestrei todo mundo. Aí foi uma confusão dos infernos e nessa confusão eu disparei e quando vi já tinha matado pra mais de cem pessoas.

X – Faço idéia de como você escondia uma metralhadora dentro dessa fantasia tamanho PP. E você, princesa, tá aqui por que?

G – Bem, depois que ela assaltou, sequestrou, matou, tudo isso aí, a gente precisou parar na rua pra fazer xixi. Aí eu fui fazer barreirinha pra camilinh... camilão. Aí chegou o guarda e me levou como cúmplice.

X – É. Uma história muito triste a de vocês. O que é a que a gente faz com elas, Terezão?

S – Choque de ordem, Xerife!

G – Ah, não! Até aqui?

T – Vocês precisam regularizar sua situação aqui dentro. Bom, comecem preenchendo este formulário. Por favor. Em 3 vias. (entrega um formulário a elas)

C – (lendo) CNPJ? Pra ficar aqui tem que ter CNPJ?

T – Olha aí, Xerife. Chegou agora e já quer sentar na janela.

X - Tchutchuca, além do CNPJ, você tem que estar em dia com o IPVA, o IPTU e o IBGE.

C – Mas a gente é inocente!

G - Foi só um xixizinho!

S – Ah, é? E o desfile? Por acaso vocês estavam regularizadas? Pagaram o ECAD? A LIESA? O Sindicato dos Artistas? A SBAT? E o imposto sobre movimentação da poupança?

G – Mas que poupança?

X (batendo na bunda de Gilda) – Essa aqui, tchuchuca!

(Gilda grita e sai correndo)

C – Muito bem. E se a gente não estiver regularizada?

S – Bom, nesse caso eu... recomendo que vocês se inscrevam na lei Rouanet e entrem na fila pra esperar patrocinador.

X – Se precisar, eu posso enquadrar vocês... no projeto. Mas precisa ter o PRONAC aprovado ou protocolado, um contador, e mais PIS, PASEP, um sonrisal e 20 hollywoods sem filtro. Além, é claro, dos 20% da minha captação.

C – Mas isso tudo só pra ficar aqui... na maior roubada?

G – Socorro! Chame... chame o ladrão! Chame o ladrão!

T – Atenção: se chamar o ladrão, vai ter que pagar o imposto sobre as chamadas telefônicas. E não fique usando trechos de música dos outros: pirataria é crime!

X – Vocês vão precisar também de nota fiscal pra tudo isso. Se precisar, eu posso fornecer uma com imposto mais baixo. Fria, naturalmente.

G – Numa fria estamos nós. Ai, Camilinha, maldita hora que a gente resolveu tomar aquelas latinhas de cerveja.

C – E você já viu carnaval sem cerveja, Gilda? 

X – Então, Tchutchuca? Ou dá ou desce.

C – Bem, vou dar, né?

G – Camilinha?!

C – Economia de mercado, Gilda: em tempos de falência, a gente abre parceria.

X – Me acompanhe até atrás da cortininha por favor, pra assinatura do contrato. (saem)

T – E você? Tá curtindo o carnaval?

G – Maldita cervejinha!


FIM


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PAPO DE ESTRELAS
                                                De Oscar Calixto

 (Um banco ou três cubos estão organizados no centro do palco. A luz sobe gradualmente. No banco (ou nos cubos) está sentada uma velha (Gabriela)  fazendo crochê ou tricô. De um dos lados do palcos entra Anita (outra velha). É dispensável a caracterização com maquiagem, talcos e outras coisas do tipo. A diferenciação é unicamente feita com o trabalho de composição dos personagens.)

GABRIELA (ajustando os óculos para ver melhor)
Menina,  é você, Anita?

ANITA (Ajustando os óculos para ver melhor)
Sou! Mas quem é... Mas não é possível, menina! Como é? Rafaela!

GABRIELA
Rafaela? Não é Gabriela, menina! Você me confundiu com a outra Gonçalves.

ANITA
Confundi! Mas eu disse Gabriela, menina!

GABRIELA
Não, você disse Rafaela!

ANITA
Ah, você está querendo me enganar! Eu disse seu nome! Disse!  Tenho memória boa, menina! Você não lembra quando eu fiz aquela substituição naquele espetáculo... Como é... Do Shakespeare! Machtub! Não, Macfet... Não, Macbeth! Macbeth!  Você não lembra?

GABRIELA
Não, não lembro! Quando foi isso?

ANITA
Ah, não faz tanto tempo assim, menina... Foi um dia desses!

GABRIELA
Mas qual dia? Eu não lembro! E olha que vou a todos os espetáculos do Rio de Janeiro! Inclusive esses que incentivam os novos dramaturgos! Adoro os novos dramaturgos! São tão divertidos... Às vezes eu não entendo porcaria nenhuma do que eles dizem, mas eu adoro! Me lembra meus tempos de Woodstock. Quanta loucura em Woodstock! Mas... Do quê que a gente tava falando mesmo?



ANITA
De Woodstock!

GABRIELA
Ah, mas por que que eu falei em Woodstock?

ANITA
Por causa da maconha?

GABRIELA
Ah, lembrei, por causa dos novos dramaturgos! Mas por que que eu falava dos dramaturgos!

ANITA
Caramba menina! Tu tá com Als Immer, heim? Ou é isso ou foi muita maconha em Woodstock! Pra você ver como são as coisas, quando era nova se gabava de ter memória de elefante! Agora, suponho, formigas têm memória melhor que a sua!

GABRIELA
Você é invejosa, isso sim! Eu sou a única atriz do Brasil que tem a lista telefônica do Rio de Janeiro inteira na cabeça! Nunca precisei consultar a telefonista! Você quer me testar? Vamos lá me teste! Diga um nome de quem você quer saber o telefone! Vamos, diga! Mas tem que ser nome completo!

ANITA
Duvido que você saiba isso!

GABRIELA
Eu sei! Estou dizendo!

ANITA
DUVIDO!

GABRIELA
Então pergunte!

ANITA
O telefone do Paulo Autran!

GABRIELA
Ah, esse eu não posso dar não!

ANITA
Por quê?


GABRIELA
Você não soube? Ele morreu, menina! Morreu!

ANITA
Morreu?

GABRIELA
Morreu sim! Morreu!

ANITA (Extremamente emocionada)
Ah, meu Deus, mas eu gostava tanto dele! Tão bom ator! Tão bom ator!

GRABRIELA
É, mas morreu!

ANITA
Não fale assim... Estrelas não morrem! Estrelas mudam de lugar!

GABRIELA
É... é sim... Vovó já dizia assim... Estrelas não morrem, não morrem nunca!

ANITA
Pobre Paulinho!

GABRIELA
Você fala como se o tivesse conhecido!

ANITA
Eu o conheci sim... Conheci... Ele fez parte da minha vida... Com cenas emocionantes! Emocionantes! Eu vi O avarento! Eu vi! E quando nova fiz uma cena belíssima com ele! Ainda me lembro do texto!

GABRIELA
Lembra? Então diz!

ANITA (mudando de ângulo sutilmente como se estivesse numa tela de cinema)
Era... (pausa) Era... (pausa) Era... (pausa)

GABRIELA
Era esse o texto? Era, era, era?

ANITA
Não, minha filha, o meu texto eram as pausas! Você não viu minha expressão facial?


GABRIELA
Desculpe eu não notei!

ANITA
Mas eu fiz!

GABRIELA
Então culpe o seu botox! Não vi um músculo se mover!

ANITA
Pois está na hora de trocar os seus óculos! Meu botox não tem nada a ver com isso. É formidável! Conserva meu ar de juventude!

GABRIELA
E tira o ar da magnitude! Olho para você e penso com que criatura se parece!

ANITA
Você está é com inveja de mim! E tudo isso porque está na geladeira! Ahaha! Os diretores ainda me chamam minha filha! Ainda me chamam! Eles sabem que sou uma estrela!

GABRIELA
Só não sabem... (esticando a cara exageradamente com as duas mãos) que as estrelas mudam tudo de lugar!

ANITA
Pelo menos a Globo ainda me chama!

GABRIELA
A Globo? Eu pensei que era a Record! Pra fazer mutante! Seria mais convincente! Bem mais convincente! Nem ia precisar de maquiagem! Era só colocar sua imagem crua na frente da câmera e pronto! Eis ali a mulher elástico!

ANITA
Nossa eu estou vendo que você continua a mesma recalcada de antes! E tudo isso porque ficou com Als Immer! Mas você me enrolou... E eu não esqueci disso não! Não me deu o telefone do Paulo Autran. Mas eu vou te pedir agora o telefone do Fausto Silva!

GABRIELA
Da Globo? Ele não está na lista! Diga outro! Vamos diga!

ANITA
Da Luana Piovani!



GABRIELA
Luana Piovani... É 385-2133! E eu te mostro ainda! (Puxando uma lista telefônica antiga) Porque eu sou assim! Mato a cobra e mostro o pau! olha aqui! Luana Piovani! Viu? (Anita ri) Do que você está rindo? Do que você está rindo? Eu heim? Parece louca!

ANITA
Gabriela, me diz uma coisa: Você sabe a data dessa lista? É de 1951! Os telefones agora tem 8 números! Esse só tem 7! E essa Luana Piovani. Não é essa lourinha bonita não! Essa daí é outra!  E no mínimo é bisavó dela! Com certeza! Com certeza!

GABRIELA
Quer dizer que isso hoje de nada vale?

ANITA
Não!

GABRIELA
E eu que pensei que tive algum êxito nessa vida!

ANITA
Por decorar a lista telefônica? Ahahah... Vamos e venhamos! Grande êxito o seu! Mas vou lhe dar uma outra chance: Me descreva um espetáculo que você fez... Pode ser qualquer um, menos o último!

GABRIELA
Ah, isso é mole! Maria Stuart! Eu tinha uma cena linda! Fazia Elizabeth! Adorava todo o texto. A crítica dizia que as palavras em minha boca eram como o pólen de uma flor enaltecida. Eu estava no auge da minha carreira! Da minha vida!

B.O.  NO BANCO E  FOCO AO LADO, ONDE A MESMA ATRIZ FAZ GABRIELA JOVEM.

GABRIELA
Chamas-me de bastarda... Todavia, sê-lo-ei somente enquanto respirares.

VOLTANDO AO BANCO.  B.O.  CENA AO LADO. LUZ NO BANCO

GABRIELA
Todavia... Todavia...

ANITA
Bravo! Bravo! Falou lindamente! Também lembro do meu auge... Foi em Bodas de Sangue.

B.O.  NO BANCO E  FOCO AO LADO, ONDE A MESMA ATRIZ FAZ ANITA JOVEM.


ANITA
E pára ali, bem no abrigo onde trema emaranhada a obscura raiz do grito.

VOLTANDO AO BANCO.  B.O.  CENA AO LADO. LUZ NO BANCO

ANITA
E as vizinhas, ajoelhadas no chão, choravam

GABRIELA
Todavia... Todavia...

ANITA
Choravam e choravam ajoelhadas no chão!

GABRIELA
Será que um dia aparecerão autores tão grandes como esses, Anita?

ANITA
Poderia responder com o silêncio de Hamlet?

GABRIELA (ajoelhando-se pela excitação)
Não, me responda honestamente! Me responda, vamos! Não deixe a degeneração afete seu cérebro nesse momento! Olhe para mim e responda!
                             
ANITA (ajoelhando-se para falar com a amiga)
Se ninguém acreditar e incentivar, minha querida, não sei não... Não sei não...

GABRIELA
Já pensou o mundo sem os autores, Anita? Sem uma pessoa que escreva? Será que teríamos teatro? E atores e atrizes? O que seria do mundo sem uma pessoa que escreva, Anita?

ANITA
Seria um mundo de gente órfã, como as Vizinhas de Lorca, que terminam um espetáculo ajoelhadas no chão!

B.O. GRADUAL
FIM.



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