quarta-feira, 28 de abril de 2010

Palhinha da semana passada - dia 23/042010

SEM SAÍDA - de Moisés Bittencourt

Começamos com um trovão. De repente, uma chuva caótica soa no ambiente. É o Rio de Janeiro inundando. Logo vemos o primeiro personagem. Silvinha Araújo. Famosa atriz que tenta se esconder com um elegante guarda chuva debaixo de um viaduto.

SILVINHA
(NO CEL) Beta! Beta ! Ta me ouvindo?! Beta! Pois é menina, temporal. Larguei meu carro na pista porque eu estava sendo levada, acredita nisso? Eu to aqui perto da Rocinha. Toda molhada. O caos. Pelo visto vai adiar a gravação né? ( RELAMPAGO SOA ) Alô. Alô, Beta.


Surge um novo personagem também correndo da chuva. Seu Zezim. Camelô que fica por ali mesmo. Protege-se debaixo do viaduto.

ZEZIM
( NO CEL AOS BERROS) Alô, Iracema! Ôh Iracema. Ta me ouvindo? (DESISTE E DESLIGA) Sinal acabou aqui. Vê se pode ! A gente coloca cartão pra nada!(OBSERVA A MOÇA E LOGO A RECONHECE) Vem cá , tu não é aquela atora?

SILVINHA
Oi?

ZEZIM
Aquela atora da televisão, é tu né?

SILVINHA
(SEM JEITO) Sim, sou eu sim.

ZEZIM
Agora veja! Minha esposa te adora. Tu ta fazendo qual novela na grobo mesmo?

SILVINHA
Não, não é na Globo, senhor, é na Record. (CEL TOCA) Alô. Oi, Beta, caiu a ligação. Sinceramente, eu não sei o que fazer. Avisa aí a produção. Ta uma tempestade. Eu to parada debaixo de um viaduto, ilhada. O quê?

Surge mais um personagem. Dona Ivonete. Madame de São Conrado, cujo carro também ficou atolado.
IVONETE
Que horror ! Ai, nossa! Eu atolei! Absurdo! Basta chover pra esse Rio fica assim. Na Grécia é totalmente diferente.

SILVINHA
(CEL) Ta, ta. Ta bom, me liga qualquer coisa. ( DESLIGA)

ZEZIM
(APONTANDO) Óia ali moça. Aquela atriz da Grobo. Ali.

IVONETE
(DEPOIS DE OBSERVAR) Desculpa, eu não vejo televisão. Que chuva é essa?!

ZEZIM
E tá aumentando.

IVONETE
(CHAMANDO UM TAXI) Táxi!! Táxi!!

ZEZIM
Dianta não senhora. Os taxi nem tão fazendo . Tão parando tudo.

IVONETE
Meu carro ficou preso ali perto do Fashion Mall. Um horror.

SILVINHA
O meu também.

IVONETE
Tá todo atolado.

ZEZIM
Minha bicicleta também. Ficou toda descascada quando eu tava descendo lá de cima. Larguei nos camelô ali.

IVONETE
Vou ligar pro reboque né. É o jeito.


ZEZIM
Chi! Dianta não senhora. Reboque nem ta vindo porque parou todo o túnel de lá pra cá e daqui pra lá.

SILVINHA
Sério moço?

ZEZIM
To dizendo. Inundou todo o Jardim Botânico, ninguém passa, e os carro tão preso num engarrafamento de lá pra cá e daqui pra lá. Assim de carro oh. Até trem parou , Até os metrô também.

IVONETE
Ah é? Como é que o senhor sabe de tudo isso?

ZEZIM
É que eu vejo televisão né dona. Vi agorinha ali na barraca do seu Antônio. Jornal ta noticiando aí que a coisa ta feia na cidade. Parou geral. E oh! Ta ouvindo? Ta aumentando!

Surge mais um personagem para completar a cena. Betinho.

BETINHO
Eita! Chuvão hen!

SILVINHA
E pior que já ta vindo água aqui.

BETINHO
To falando. Ta aumentando.

SILVINHA
Uma hora vai ter que parar né.

BETINHO
(RECONHECENDO-A) Vem cá!

ZEZIM
Já até sei o que o senhor vai perguntar pra ela.

BETINHO
Você é aquela atriz né? Silvinha Araújo, né isso?

ZEZIM
(EMOCIONADO) É ela mermo. Falei pra dona aqui que era ela.

SILVINHA
(SEM DAR OUVIDOS ) E agora gente?! O que eu vou fazer? Eu tenho gravação ainda hoje.

ZEZIM
Chi!

BETINHO
Ce acredita que eu tava indo pra Record agorinha mesmo levar material pra um teste? To cansado de fazer figuração na Globo.

IVONETE
(NOC EL) Alô Maria. Oduvaldo já chegou do golfe? Não?

BETINHO
Aí, bem que você podia me ajudar. Me indicando alguém lá, sei lá.

SILVINHA
(SEM PACIENCIA) Moço, eu não sei nem como eu vou sair daqui, que dirá te ajudar.

ZEZIM
Tu num fazia uma babá naquela novela das sete?

Relâmpago soa forte. Todos se assustam.

IVONETE
Maria pede pro Oduvaldo me ligar. Tchau. ( DESLIGA) Moço quanto é que o senhor quer pra desatolar o meu carro, eu preciso ir pra casa.

ZEZIM
Madame, nem pensar. Chuva doida essa aí. Tem que esperar.

IVONETE
Moço, o senhor não está entendendo, eu não posso esperar.

ZEZIM
Mas eu posso.

BETINHO
Você ta em que novela mesmo?


SILVINHA
(IRRITADA) Por favor, eu não quero falar de novela agora.

ZEZIM
Nem agora e nem nunca,né. Óia o aguaceiro que ta vindo em cima da gente!

Todos olham pra frente e gritam simultaneamente. B.O.


OFF RÁDIO- Morrem mais de 200 pessoas por conta da forte chuva que alagou a cidade maravilhosa. Entre os mortos estão à atriz Silvinha Araújo e a socialite Ivonete Perdura que boiava ao lado do corpo do camelô Zeliano Gomes da Silva.

BETINHO
(DANDO ENTREVISTA) Então, quando a chuva começou, eu tava ali em São Conrado. Graças a Deus eu consegui me salvar.

OFF- O senhor estava voltando pra casa?

BETINHO
Não, eu tava indo fazer um teste na Record pra elenco fixo numa novela porque antes eu fazia figuração na Globo. (SEM GRAÇA) Ih, meu Deus, será que eu falei demais?


FIM

vídeo da cena

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AXÉ TALIBÃ
Leandro Muniz



Um homem vestido com roupas do movimento talibã, estilo “Bin Laden, barba grande, turbante branco e vestes brancas, está sentado em um lugar, ao lado de Mulher. Ele está com uma maleta no chão, ao seu lado.
Silêncio. Ela ameaça falar alguma coisa, mas desiste. Está tímida, sem ser medrosa, apenas tímida, querendo se “enturmar”. Ele está sério, e não se mexe. Ela começa a estranhar o fato de que ele está muito parado, olhando para o nada.


MULHER
Então, falta de assunto? Pois é, eu acho um absurdo o que fizeram com você, sabe? Puro preconceito. Quem eles pensam que são? Você me parece uma pessoa íntegra, inteligente... Simpática né... É nítida a sua simpatia, essa maneira cativante de agir, esse jeito tímido, calado, mas que diz tanto. Todos do seu país devem ser assim, imagino.

Homem não responde.

MULHER
Devem ter estilo. Sim, porque o que não podem falar é que você não tem estilo. Essas roupas são bem... Bem... Diferentes né? Você já foi a Bahia? Não sei, mas eu tô percebendo em você uma semelhança com alguma pessoa, talvez... Ah já sei! Aquele compositor negro, que também é percussionista, um que usa umas tranças sabe? (silêncio. Ela se exalta tentando lembrar) Um que canta umas músicas com umas letras estranhas? Uns sons meio tribais, meio loucos? (silêncio) Não conhece né? Poxa, se tivesse um google aqui agora eu lembrava. Escapuliu o nome, ai odeio quando isso acontece! (silêncio) Tu curte axé? (silêncio) Sei lá, eu já curti muito numa época, ia pra essas micaretas todas fora de época sabe? CarnaBelô, CarnaSampa, CarnaJuizdeFora, CarnaGuaratatinguetananópolis (pausa) do Sul. Hoje em dia eu curto mais trance. (silêncio). Desculpe, eu sou uma insensível né? Você aí preocupado com tantas coisas, o vôo que você perdeu, e eu aqui falando de carnaval, de música. Eu não queria te chatear, desculpe, nem te causar esse tipo de constrangimento...


Homem coloca sua mala no colo.

MULHER
... Mas sei lá, eu imagino como deve ser solitário a pessoa chegar num lugar, não conhecer ninguém, ser tratado com preconceito, e não ser amparado, não ter alguém pra oferecer um ombro amigo. Pô cara, sério (Ela pega no ombro dele) pode contar comigo. Pro que der e vier cara, força. (silêncio) Te pediram pra ficar aqui esperando não é? Ta com fome? Tu quer que eu compre uma coisa pra você? Um lanche, uma coca cola? Tem um Mc Donalds ali. Quer? ( Ela ri) Caraca cara, tu é muito tímido né não? Pô, to aqui igual uma louca, falando falando e você nada.


Homem coloca sua mala numa mesa próxima, e a abre.


MULHER
Entendi. Isso é um jogo né? Você aí todo cheio de charme, vendendo o tipo tímido misterioso, não fala nada, as circunstâncias já te favorecem né? Essa situação “o rapaz abandonado do aeroporto”. Tô entendendo teu jogo. Olha, ta funcionando viu? Achei você muito...( faz manha e ri envergonhada) Ai, sei lá, fiquei tímida agora. Você quer  que eu compre um lanche pra você? Lembrei de um filme agora. Cara, um filme que tem tudo a ver com a situação desse momento. Com o fato de você se sentir estranho e deslocado, num lugar desconhecido, onde as pessoas não te aceitam como você é verdadeiramente. Onde a guerra nos consome, e não conseguimos mais ter uma clareza sobre as nossas relações com o próximo, o amor e a natureza. Onde o preconceito de raça é evidente, e deve ser abolido. Avatar. Já assistiu?


Homem tira uma bomba-relógio (Uma engenhoca, com fios coloridos. Pode ser feita com várias velas grandes, vermelhas, enroladas por “silver tape”. E grudado um relógio de ponteiros) de dentro da mala. Fica com ela em mãos. Bem lentamente, olha a bomba e confere os fios.


MULHER
...Pô brother, tu tem que assistir! Vai se sentir mais leve. Mas tem que ser em 3D, se não é perda de tempo. Em 3D que é o bicho. Esses oficiais estão demorando né? Sabia que você não ia agüentar ficar sem fazer nada, já arrumou uma distração né? Quando eu era criança eu tinha aquele joguinho, que era uma pessoa deitada e cheia de buracos, e tinha os órgãos pra gente colocar com uma pinça? Sabe? Quando a gente esbarrava no boneco, tinha um alarme. Péen!( faz o alarme) do paciente reclamando.(ri) Conhece, é do teu tempo? Acho que esse brinquedo era da Estrela. O que é isso que você ta mexendo, posso ver?


Mulher aproxima-se de Homem, e ameaça pegar da mão dele. Homem, com cara de reprovação,  puxa pra perto de si a bomba, para que Mulher não pegue.

MULHER
Ih, que foi? Se irritou? Quer brincar sozinho, né? Eu te entendo. (silêncio) Cara, quando eu tô com meu iphone eu fico completamente hipnotizada, no mundo da lua mesmo, que nem você tá agora, todo compenetradinho. Pô, muito louco essa coisa da tecnologia né brother? Bizarro, a globalização, a internet, pô, o silicone! O mundo tá muito doido, essas enchentes terríveis, os jogadores de futebol metidos com traficantes, tu curte o Adriano? E o Rick Martin gente, os terremotos, e essa polêmica toda do stand up comedy ser ou não ser teatro, e as pegadas que acharam do abominável homem das cavernas, você soube? Será que isso existe mesmo, porque nos ETs eu acredito, ah acredito sim, com certeza cara, de onde você acha que tiram tanta ideia pra filme de ficção? E o Lula, você acha que ele é o cara? (Mulher cansa, vai ficando tristinha) Poxa...Então tá... Pô... Tá bom seu moço boboca, metido, não quer papo comigo é? Tá certo, eu vou embora. Vou parar de falar, é isso que você quer né? Adeus.


Mulher sai de cena. Homem faz cara de aliviado, e volta a olhar para a bomba. Segundos depois, Mulher volta correndo sorrateiramente e pega a bomba da mão de Homem. Ele fica desesperado. Ela começa a correr, e brincar com a bomba.

MULHER (animada e infantil)
Peguei! Ah se ferrou, você não me pega! Não me pega! Lá lá lá! Tenta me pegar, tenta!


Homem tenta pegar a bomba de Mulher, que corre em círculos e o desnorteia. Ela fica trocando a bomba de mão, com os braços levantados, como se fosse uma bola. Homem começa a ficar irritado.

MULHER
Peraí, deixa eu ver uma coisa aqui. Esse relógio. (estranha o relógio de ponteiro) Ué (confere a hora no seu relógio de pulso). Esse relógio tá atrasado 1 hora esse relógio. (repetição da palavra relógio nessa última frase, é proposital) Rapidinho.

Mulher mexe no ponteiro do relógio.

HOMEM
Nãooooooooooooooooooooooooo!


Black Out. Som de explosão. 


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