domingo, 4 de abril de 2010

Palhinha da sexta passada - dia 02/04/2010

EU VOU CHAMAR O SÍNDICO
Leandro Muniz


Início de uma espécie de reunião. Síndico está de pé. Cerca de 8 pessoas estão sentadas esperando Síndico falar (Figurantes moradores). Síndico é um homem tosco, mal vestido, feio, sujo, sempre suando embaixo do braço e na testa, que enxuga constantemente com um lenço. Jussara e Juliana são mulheres bonitas, elegantes, arrumadas.

SÍNDICO
Boa noite a todos. Bem, o albatroz-errante ou albatroz-gigante é uma ave da família Diomedeidae, que habita a maior parte do oceano austral, nas margens do gelo que circundam a Antártica e, ocasionalmente até mais ao norte, com alguns registros fora da Califórnia e no Atlântico Norte. Durante o inverno, a maior parte das aves se concentra ao norte da Convergência Antártica. (pequena pausa) Bem, essa reunião não tem nada a ver com isso. Podemos começar?

UM DOS FIGURANTES
Com licença. Vai ter algum lanche hoje?

SÍNDICO
Não.

6 figurantes levantam- se e saem de cena. Juliana, Jussara e Síndico, olham para eles, e acompanham suas saídas em silêncio.

SÍNDICO( fala pra si)
Esse albatroz me intriga...
JULIANA
É bom mesmo que essa reunião seja para poucos, visto que temos muitas coisas para resolver, não concorda seu Vitório?
SÍNDICO (gagueja)
Bom... Eu...
JUSSARA
Concordo inteiramente com essa desclassificada, inclusive já estou no meu limite, e quero uma posição sua seu Vitório.


JULIANA
Meu Deus, mas será que não bastou o que essa infeliz escreveu a meu respeito no livro dos condôminos seu Vitório?
JUSSARA
Seu Vitório, fala pra essa mulher que se ela me ofender novamente eu não respondo pelos meus atos seu Vitório?
JULIANA
Seu Vitório, diz pra essa “esculhambada porteira dos infernos” que se ela cruzar o meu caminho novamente vai ter agressão seu Vitório?
JUSSARA (rindo)
Ah, seu Vitório, por favor, responda a essa “pilantra salafrária vigarista”, que aquele maridinho cafajeste dela, só não quer comer o senhor seu Vitório!
JULIANA
Seu Vitório, como é chato a inveja de uma mulher enlouquecida pelas falcatruas da mãe, e o divórcio traumático com o marido alcoólatra, né não seu Vitório?
SÍNDICO
Olha... Eu...
JUSSARA
Melhor um ex- marido alcoólatra e uma mãe ladra, a ser enganada!
JULIANA
Melhor ser enganada do que ser abandonada!
JUSSARA
Melhor calar essa matraca antes que eu cuspa na sua caroça!
JULIANA
Melhor receber uma cusparada do que ter os olhos rasgados pelas minhas unhas!
JUSSARA
Melhor ser cega a ter que conviver com uma vizinha que tem um zoológico em casa!
JULIANA
Idiota!
JUSSARA
Inútil!
JULIANA
Vaca!
JUSSARA
Calhorda!
JULIANA
Vadia, estelionatária, maconheira, piriguete criminosa!
JUSSARA
Piranha de esgoto!
JULIANA
Piranha de esgoto?
SÍNDICO
Eu...Olha...
JUSSARA
Seu Vitório, não responda a essa mulher demente, que não sabe o que fazer com tantos cachorros, sem contarmos as crianças demoníacas que ela pariu, seu Vitório seu Vitório...


JULIANA (faz-se de santa)
Seu Vitório, não... Eu não vou entrar no jogo desta senhora. Acredito que podemos resolver as coisas com mais elegância.
JUSSARA ( faz a santa também)
Seu Vitório, o senhor me conhece, eu jamais me meti em qualquer confusão e já moro aqui há 9 anos seu...
JULIANA
Vitório, não dê ouvidos a essa mulher suja que se insinua como uma rampeira!
JUSSARA
Seu Vitório, se eu fosse o senhor, já tinha dado na cara dessa mulher, ela está te provocando seu Vitório!
SÍNDICO
Mas...
JULIANA (alegremente cínica, como se fosse contar algo muito curioso)
Seu Vitório, você não sabe o que aconteceu hoje. Entrei com uma ação na justiça contra essa mulher por calúnia, difamação e danos morais...
JUSSARA
Seu Vitório, você não sabe o que aconteceu hoje. Adivinha com o marido de quem eu transei duas vezes num motel sujo e barato, e foi uma delícia seu Vitório?
JULIANA ( ameaçando)
Seu Vitório, adivinha o que eu trouxe na bolsa, sabendo que podia ter um barraco aqui?
JUSSARA
Seu Vitório, te contei que tenho uns contatos fortes na Vila Cruzeiro?
JULIANA
Te contei que tenho porte de armas?
JUSSARA
Te contei que meu primo já estuprou uma menor?


Silêncio.


SÍNDICO
Bem, não sei o que dizer depois de tantas informações. Mal consigo imaginar como essa história vai acabar. Os albatrozes costumam se isolar, e só voltam a freqüentar lugares ocupados por outros da espécie quando as geleiras...

Juliana tira uma arma da bolsa e ameaça Síndico, que se cala.

SÍNDICO
Eu estou te chateando?

JULIANA (mãos trêmulas segurando a arma, fala manso, mas bastante alterada)
Seu Vitório, fala pra essa mulher que se ela não sair do prédio hoje, pode se considerar... Pode não se considerar mais... Seu Vitório...
SÍNDICO (para Jussara)
Ela disse que...


JUSSARA (com medo, emocionada, quase chora)
Sim, eu não sou surda seu Vitório. Pergunte pra essa senhora, se ela sabe que se eu for embora agora, vou levá-lo comigo, seu Vitório...
SÍNDICO ( para Juliana)
Ela tá perguntando se...
JULIANA
Eu ouvi. Eu ouvi muito bem. Diga a ela, que sei de tudo... E que se apresse, antes que eu mude de idéia e mate os dois, sua piranha...Desculpe, seu Vitório...
JUSSARA
Obrigada.


Jussara corre, e sai de cena.

JULIANA (chorosa, perdendo a força, quase ofegante)
Hoje de manhã seu Vitório... Ele já estava, seu Vitório... Com as malas prontas...


Juliana larga a arma e começa a chorar, soluçante. Abraça o Síndico.


Fim.

Vídeo da cena

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“Vip” - de Jô Bilac
Mendigo
Marielle Moom
(Marielle Moom  saindo de uma festa badaladíssima)
Marielle: ( taça de prosecco na mão,  casaco de luxo. Acorda o mendigo que dorme no chão. ) Oi querido. Olá. Oi. Querido. (insiste, mas o mendigo ainda dorme e não quer papo) Oi. Meu anjo. Queridinho. Oi. Acorda. Meu anjo. Acorda, querido. Oi. Ei. Olá. Opa. Acorda.
Mendigo: (levanta sonolento) Desculpa madame, eu dormi na vaga do carro da senhora, né? Já to saindo, é que a marquise estava cheia e...
Marielle: (simpática)  Não, não, não... Não se incomode, imagina!
Mendigo: Eu saio, madame, não tem problema. A senhora pode estacionar o carro aqui, eu vou pra ali debaixo do viaduto e...
Marielle: Não, que viaduto, o que? O senhor pode dormir tranquilamente na vaga do meu carro. Por favor.
Mendigo: Eu não quero causar incômodos...
Marielle: Eu faço questão! Não é incomodo algum, fica a vontade. 
(Marielle, débil, parada, sorrindo para o mendigo)
Mendigo: Então...?
Marielle: O que?
Mendigo: A madame vai ficar aí parada rindo pra mim?
Marielle: Madame? Não! Vamos evitar formalidades! Marielle Moom.
Mendigo: Como..? Marie...O que?
Marielle: (como se tivesse falando com um retardado)  Ma-ri-e-lle...
Mendigo: Ma-ri-e-lle...
Marielle: Moom...
Mendigo: Muuu.
Marielle: Moom.
Mendigo: Muuu.
Marielle: (desiste) Enfim. Qual é o seu nome, querido?
Mendigo: Mendigo mesmo.
Marielle: Prazer, Mendigo Mesmo. Bom. Eu vou direto ao assunto, sem mais rodeios. Eu acabo de voltar de uma festa badaladérrima, creme de La creme, papa finérrima, coisa que você nunca vai ver! Enfim. Daí, quando vou estacionar o meu porche, vejo você aqui, dormindo ao relento, sem a mínima dignidade, mas em profunda paz e isso me tocou. De verdade. Fiquei comovida. Pensei nesse mundo louco que  gente vive, sabe? Essa coisa louca, de muitos que não tem nada e poucos que tem tudo. E daí fiquei pensando na Madre Teresa, no Mandela. Mandela é um cara que me emociona até hoje. Um cara fora de série. A história de vida do Mandela. Eu não posso nem falar no Mandela que eu fico com olho cheio d’água, emocionada mesmo. E daí fiquei pensando: caramba, Marielle! O que você está fazendo da sua vida? Cara, o Mandela na sua idade já...
Mendigo: Desculpa interromper, madame, é que eu...realmente, estou muito cansado, amanhã pego logo cedo no lixão e...
Marielle: No lixão! Que coisa linda! Lixão! O chorume do lixão! É o povo brasileiro que não se cansa e nem desiste, dessa gente que balança e que...
Mendigo: Madame, desculpa mesmo, mas realmente.
Marielle: Ai, perdão! Eu aqui falando feito matraca. Louca! (ri)
Mendigo: Então?
Marielle: Então que eu queria te dar uma esmola.
Mendigo: Uma esmola.
Marielle: É. Uma esmola. Algo simbólico. (abrindo a bolsa, assinando um cheque) Nada demais, um mimo! 3 mil, está bom?
Mendigo:  Não.
Marielle: Não está bom? Quer mais? Tudo bem, 4 mil.
Mendigo: (digno) Não, obrigado. Eu não quero.
Marielle: Como assim?
Mendigo: Não me leve a mal, mas eu não estou precisando. Obrigado.
Marielle: O que foi? Achou 4 mil pouco?
Mendigo: Imagina, madame. Eu é que não quero mesmo. Obrigado, viu.
Marielle: Você sabe meso jogar, rapaz. Tudo bem, 5 mil.
Mendigo: Não madame. Obrigado.  Muito mesmo. Boa noite.
Marielle: O que há? Você não é mendigo? Não passa fome? Não passa frio? Então, esse dinheiro vai te ajudar. É de coração, eu sou rica, eu posso te dar, não vai me fazer falta.
Mendigo:  Eu gosto de passar fome, de passar frio. Eu gosto.
Marielle: E o velho barreiro? E a cola de sapateiro? E o crac? Como é que vai comprar? Hein? Aceita, vai! Não custa nada! Aceita!
Mendigo: Não quero.
Marielle: Já sei. Dinheiro não te interessa, não é? Você é ambicioso rapaz! Gostei de você!  Você tem fibra! Quer jóia, não é? Eu te dou as minhas jóias! (tirando os brincos, relógio, etc e jogando pro mendigo) Leva as minhas jóias! Toma! É ouro! Tem brilhante! Tudo seu!
Mendigo: Não quero... Eu só quero dormir, madame!      
Marielle: Meu dinheiro não é bom o bastante pra você? As minhas jóias? Eu não sou digna o suficiente? É isso? Não estou a sua altura?
Mendigo: (tranqüilo) Não,  não é nada disso. Olha, você é ótima, eu é que estou noutra fase. Eu quero dar um tempo, repensar meus valores, saber se é realmente isso que eu quero. Me entende?
Marielle:  Você tem outra? É isso? Pode falar. É outra madame que te dá esmolas melhores, não é? Fala!
Mendigo: Não tem outra madame...
Marielle: Então é o que? O meu porche! Você quer o meu porche, não é ?   É isso que você quer, desde o inicio. Faz parte do seu jogo!
Mendigo: Jogo?
 Marielle: Sim! Isso é um jogo !
Mendigo: Não tem jogo algum, madame.
Marielle: Se pensa que pode me jogar pra escanteio está muito enganado! (saca um revólver da bolsa)
Mendigo: (apavorado) O que é isso, madame?
Marielle: Um assalto ao contrê!
Mendigo:  Um assalto o que?
Marielle: Ao estilo francês, ao contrê!
Mendigo: Calma, a madame está alterada...
Marielle:  (falando como marginal) Perdeu, maluco! Perdeu! Pega a minha bolsa, bora! Pega ! Bora! Quer levar pipoco? Então, meu irmão, pega a bolsa!  Bora!
Mendigo: (pegando a bolsa, amedrontado)
Marielle: Isso... Agora o bracelete! Bora! Pega o bracelete, isso, coloca no bolso, no bolso! Os brincos, agora! Bora! Não banque o engraçadinho ou eu estouro os seus miolos!
Mendigo: Calma, madame...calma!
Marielle: Bora! Bora! A chave! (joga a chave) Pega a chave!
Mendigo: Peguei, pronto, calma.
Marielle: Agora vai lá e pega o porche e sai varado! Bora, rapá! Bora!
Mendigo: Mas eu nem sei dirigir, madame!
Marielle: Se adianta, meu irmão! Se adianta! Bora! Pega o carro! Bora!
Mendigo: To indo, to indo! (saindo com a chave)
Marielle: (feliz, satisfeita) Mandela... Tá vendo? Se cada um fizer a sua parte, esse país vai pra frente!
Fim.

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