De amor e de Trevas
de Cristina Fagundes
Mulher abraça rapaz.
Ela: Parabéns meu filho!
Ele: É,18 anos, mãe.
Ela: (olha pra ele com um misto de ternura e tristeza)É, 18 anos... quem diria, o meu caçulinha, como passa rápido! (muda o tom, prática) Agora você já ta um homem. Já pode caminhar sozinho. Peraí que eu tenho uma coisa pra você (sai).
Ele: (alto – pra ela que saiu pra coxia) Que milagre essa casa vazia. È o meu presente?
Ela: (da coxia) Mais ou menos.
Ele: Cadê todo mundo?
Ela: (voltando) Já devem ta chegando.
Ele: Que isso mãe?
Ela: As suas coisas. Ta na hora de você seguir seu próprio caminho meu filho.
Ele: ....!
Ela: Ta tudo aí, o Playstation, aquela sua cuequinha.../
Ele: (ela a corta)/ Mãe, você mexeu nas minhas coisas?
Ela: E é melhor a gente se apressar que seu vôo sai daqui a pouco. Vem.
Ele: Mãe, que história é essa?
Ela: Você deve ta chegando em Brasília às onze horas e aí você tem que seguir direto pra esse endereço aqui ó. (dá um papel pra ele) Não vai perder esse papel, hein menino? Pelo amor de Deus! Agora vamos.
Ele: Eu não vou.
Ela: Como assim?
Ele: Como assim pergunto eu. Que maluquice é essa mãe? Hoje é o meu aniversário.
Ela: Por isso mesmo. Você tem que ir embora agora mesmo. Você ta me ouvindo?
Ele: Eu já disse que não vou. Vou viajar pra quê?
Ela: Mas você tem que ir! Tem que ir, ta me entendendo? Vambora, menino!
Ele: Mãe, que que ta acontecendo?
Ela: (ela olha pra ele intensa - tempo) Meu filho, você é um lobisomem.
Ele: Quê?
Ela: Você é um lobisomem. Hoje à meia noite você vai sofrer sua primeira transformação. Você vai vai virar lobisomem.
Ele: ....!
Ela: Eu sinto muito.
Ele: Você tem certeza?
Ela: (faz que sim com a cabeça).
Ele: Um lobisomem...
Ela: Você nunca desconfiou?
Ele: Não... se bem que eu sempre fui muito peludo, né?... pelo menos aqui embaixo(aponta virilha). Mas por que logo eu mãe?
Ela: Porque você é o nosso sétimo filho varão. (lamenta meio culpada) Eu achei que você fosse ser uma menina... devia ter feito ultra-som...
Ele: E agora?
Ela: Agora você vai ter que ir embora.
Ele: Mas eu não quero ir embora mãe.
Ela: Você vai viajar pra Brasília e vai procurar o Lula.
Ele: O presidente?
Ela: Isso, ele vai te ajudar. O Lula também é um Lobisomem.
Ele: Caramba!
Ela: Por isso que ele apóia o Sarney.
Ele: O Sarney também.../
Ela: (cortando ele) O Sarney é o líder Lobisomem no Brasil. Ele tem muito, muito poder. Ele tem poder até mesmo pra te proteger da gente.
Ele: Me proteger de vocês?
Ela: A partir de hoje nós somos inimigos mortais.
Ele: Mas mãe, vocês são a minha família, a minha casa é aqui...
Ela: Lobisomens e vampiros não podem dividir a mesma casa.
Ele: (tempo) Mas eu vou me comportar.
Ela: E eu não quero de ter bicho em casa!
Ele: Mas vai ser só nas noites de lua cheia!
Ela: Eu não quero você espalhando pêlos pelo sofá. Você não entende? Eu sou alérgica!
Ele: Mas a gente pode construir um canil e ai quando for lua cheia eu/
Ela: (corta) Não!
Ele: Você ta sendo fria comigo!
Ela: Você queria o quê? Eu sou uma vampira!
Ele: A gente pode estabelecer umas regras de convivência.
Ela: Tipo?
Ela: Tipo dividir a comida: eu fico com a carne e vocês com o sangue.
Ela: Não. No primeiro estresse você e seu pai vão acabar se matando.
Ele: (implica) Se matando como? Se a gente é imortal?
Ela: (suspira)
Ele: E a minha namorada?
Ela: Acabou. Lobisomens não namoram vampiras, isso só acontece em filme.
Ele: Mas eu gosto dela!
Ela: Ela vai acabar te sugando.
Ele: (malicioso) Até que não ia ser mau.
Ela: Meu filho, eu to falando sério. Eu sei que é difícil, é como se uma estaca de madeira partisse meu coração mas é preciso que você vá embora.
Ele: Mas eu não to preparado ainda mãe.
Ela: Mas ninguém nunca ta preparado pra vida não meu filho. Você vê, quantos anos eu tô? 715 e ainda não sei de nada.
Ele: Queria ver se fosse com você.
Ela: Olha, você vai ver como vai ser bom, você ainda tem tanta coisa pra conhecer, tanto cemitério, tanta encruzilhada. Tanto pra viver. A eternidade...
Ele: Eu não quero viver exilado.
Ela: E hoje é lua cheia, tá uma noite linda pra você se transformar...
Ele: Vocês são a minha família mãe.
Ela: Tá na hora de você começar a sua própria família, Nosferatus. Você não viu o seu primo, Venture, ele saiu de casa não tem nem 200 anos e já começou toda uma nova linhagem de vampiros, uma beleza. E você? Quando é que você vai fazer seu próprio clã?
Ele: Lobisomem não faz clã, faz matilha.
Ela: É. Você é diferente mesmo. É melhor ir embora.
Ele: Mas nós temos o mesmo sangue, mãe!
Ela: (nega) Tsss, tsss, tssss. Isso depende muito. Hoje por exemplo, o meu sangue é o sangue do Fluffy.
Ele: Mãe, você atacou o meu gato?!!! Você bebeu o sangue do Fluffy?
Ela: Ah, meu filho você ia viajar mesmo...
Ele: Eu não acredito!
Ela: Ele soltava tanto pêlo e além disso ele não ia se adaptar a Brasília. Gato não se adapta.
Ele: Eu te odeio!
Ela: Não grita comigo! (eles se estranham por um pequeno tempo – leves influências vampirescas e de lobisomem – eles ouvem um barulho) Escuta, deve ser seu pai! Ele foi comprar bala de prata pra te pegar! Anda! Vai embora! vai! (sentindo sua própria agressividade) Vai embora antes que seja tarde! Procura o Lula! (ele pega a mala e sai preocupado).
Ela: (suspira- exausta –fala sozinha). Anda meu filho, vai pra bem longe, se afasta da gente... ai, como é difícil se separar de um filho... (música estilo tango ou algo bonito e quase estranho.)
Vídeo da Cena
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DESCOBRINDO AS DIFERENÇAS
Leandro Muniz
Dois bebês, de fralda e chupeta, estão brincando no chão de uma creche.
Um menino e uma menina.
Menino percebe que não há ninguém por perto, e aproxima-se de Menina.
MENINO
Maria Eduarda?
MARIA
Não acredito.
MENINO
O que?
MARIA
Ninguém me chama assim há tempos! Detesto!
MENINO
Maria Eduarda, eu acabo de descobrir porque ficamos aqui a tarde toda.
MARIA
Dã. Descobriu a pólvora.
MENINO
Sem graça. Achei que você não sabia.
MARIA
Por que os meninos sempre sabem das coisas depois?
MENINO
Do que você ta falando?
MARIA
Estou falando de como nós mulheres amadurecemos antes. É incrível como os homens são infantis. É triste perceber que esse tipo de comportamento vai acompanhá-lo pelos próximos anos do resto de sua vida.
MENINO
Poxa... Eu vim aqui dividir um sentimento com você, e sou tratado desse jeito?
MARIA
Ah, garoto, se manca! Olha pra essa fralda! Veja que lambança! E ela acabou de ser trocada!
MENINO
Fala baixo! Maria Eduarda, meus pais trabalham, por isso eles me deixam aqui todos os dias.
MARIA
E...
MENINO
E o fato é que posso crescer traumatizado, por não sentir que estão próximos a mim, entende? A ausência de um lar feliz pode ser perturbador no futuro!
MARIA
Querido, acho que você deve estar estressado, sei lá... Aqui tem muita gente falando, muito choro, muito cocô... Não sei, nem sou tão intuitiva assim, mas vai por mim... Não são apenas algumas tardes numa sala cheia de bebês idiotas, que vão fazer com que você no futuro se transforme num marginal, ou numa figura tosca como um paparazzo ou um político.
MENINO
O que que é paparazzo?
Maria pensa por três segundos. Pega um chocalho e chacoalha pra MENINO.
MARIA
É isso aqui ó... Ê... Ê nenê, pronto, passou, vai brincar ali bem longe, viva dedê fofo ti lindin... Agora pára de me encher o saco!
MENINO
Aonde você vai?
MARIA
Eu preciso ir pra varandinha fumar, você me deixa tensa!
MENINO
Tá evitando polêmica? Mas as mulheres se acham muito espertas, não é? Por que será então, que demoraram tanto pra se tornar independentes? E olha que estou falando de uma minoria.
MARIA
Como ousa?
MENINO
Não sou eu. São os fatos. Segundo dados fornecidos pelo IBGE no CENSO de 2009, o desemprego tem atingido mais fortemente as mulheres, visto que está em uma taxa de 11,7%, 31% superior a dos homens. As mulheres negras então, nem se fala, o percentual é 86% superior ao dos homens.
MARIA
Entendi. É isso que você fica fazendo a tarde inteira? Meu Deus, como você é um bebê mimado! Não sei seu bostinha onde você leu esta mer...
Passa uma babá ao fundo, observando se estão todos bem. Maria pára de falar esperando a babá sair. Assim que ela sai Maria continua falando, mas quase cochichando.
MARIA
Esta pesquisa fajuta... Independência não tem a ver com trabalho! Eu não trabalho e sou uma mulher independente! Além do mais é nítido o crescimento da mulher no mercado de trabalho!
MENINO
É verdade, percebo isso nas creches e nos salões de beleza que minha mãe vai!
MARIA
Ai, figura machista! Falo de um reconhecimento de nosso valor, que vem desde a rebelião feminina do final dos anos 60, nos Estados Unidos e Europa! E não estou falando só de queimar o sutiã em praça pública não, criança! Estou falando de visibilidade política perante a sociedade! Estamos cada vez mais fortes!
MENINO
Sei, fortes. Você fala especificamente de quem? Heloísa Helena? Dilma? Hebe? Ah, claro, Edinanci!
MARIA
Ah, é guerra? Biafra, Paulo Coelho, Roberto Jefferson, Amaury Júnior!
MENINO
Peraí, você tá apelando!
MARIA (provoca)
Vamos lá, quero ver se você é mesmo o “sabe-tudo da mamãezinha” com medo de ficar sozinho na creche com os amiguinhos!
MENINO (choroso)
Pára!
MARIA
Que foi, seu fresquinho? Ta chorando? E olha que eu ainda nem falei do Gugu Liberato!
MENINO
Nojenta!
Menino golfa um pouco no seu babador.
MARIA
Ta com nojinho? Não agüenta o tranco, pede pra sair!
MENINO
Muito bem Maria Eduarda, um a zero pra você!
MARIA
Posso ir fumar agora?
MENINO
Vai fugir? Eu nem falei do número de neurônios inferior ao dos homens!
MARIA
Essa questão é velha, não faz diferença!
MENINO
Não tem percepção espacial aguçada!
MARIA
Tenho menos tendência a esquizofrenia!
MENINO
Nunca vou ter cólicas homéricas!
MARIA
E eu não nunca terei câncer de próstata!
MENINO
Você só pega pesado!
MARIA
To de TPM!
MENINO
Você não pode fazer xixi em pé!
MARIA
Agora você me ofendeu! E eu não sofrerei de calvície!
MENINO
Eu posso usar uma t-shirt branca quando vou a um parque aquático!
MARIA
Isso não faz o menor sentido!
MENINO
Grisalho eu ficarei mais charmoso!
MARIA
Tanto faz! Viva a henna, o botox e o silicone!
MENINO
Não preciso me depilar!
MARIA
Idiota, eu sou um bebê!
MENINO
Sim, mas isso vai acabar! E você sofrerá com todas essas pressões da velhice, as rugas, a menopausa, a celulite, e a bunda caída!
MARIA
Nãaaooo! Chega! Grosso! Seu grosso!
Maria começa a chorar, e afasta-se de Menino.
MENINO
Desculpe Maria Eduarda, eu me empolguei... Não queria te magoar.
MARIA
Mas magoou, seu brocha!
MENINO
Traiçoeira!
MARIA
Eu sou feminista!
MENINO
O melhor movimento feminista é o dos quadris!
MARIA
E você! Aposto que nem sabe o que os homens têm em comum com os aniversários e o clitóris?
MENINO
O que?
MARIA
Eles os perdem sempre...
(Pausa)
MENINO
Duda, sabia que você irritadinha fica um tesão?
MARIA
Sabia que eu até dava pra você?
MENINO
Faz o seguinte, já ta na hora de eu ir... A gente se liga.
MARIA
Tá... Mas liga depois das três da manhã, que eu vou estar comendo minha papinha.
MENINO (galante)
Você... Sabe me provocar...
Menino pega o chocalho do chão e balança dando tchau pra Maria Eduarda. Entra babá.
BABÁ
Vem Henrique, seus pais chegaram! Deixa isso aqui, deixa. Larga Henrique!
MENINO (olhando pra babá e mexendo o chocalho)
Paparazzo... Paparazzo...
Black Out.
Vídeo da cena
maravilhosa a cena dos bebês!!
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