MENDIGO ARTE, de Cristina Fagundes – Post Fui ser legal e atirar um pacote de bolachas para mendigo e agora ele tá gritando Novinha Mostra os Peitos.
Com Ana Carolina Sauwen e Mariana Consoli – direção Alexandre Bordallo
2. MANAUS, de Ivan Fernandes – Post Adoro Passear
Com Bruno Bacelar e Maíra Kestenberg – direção Ana Paula Lopes
3. CIDADANIA A GENTE APRENDE DESDE PEQUENO, de Diego Molina – Post Afrodescendesco
Com Renato Albuquerque e José Auro Travassos – direção Breno Sanches
4. M.I. – MAIS QUE IMPOSSÍVEL, de Daniel Berlinsky – Post Procuro apartamento que não me faça ter que vender um rim pra pagar
Com Marcelo Dias e Kakau Berredo – direção João Rodrigo Ostrower
5. VINGANÇA É UM PRATO QUE SE COME DOCE, de Paula Rocha – Post Guerra de Açúcar no Guanabara.
Com Karen Liberman e Priscila Assum – direção Cadu Fávero
6. NOVELA DAS SEIS, de César Amorim – Post Minha mãe tá com Mania de ir na Cartomante
Com Marcelo Cavalcanti e Flávia Espírito Santo – direção Lincoln Vargas
E os nossos músicos Maria Thlalita de Paula e Aldo Medeiros:
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E, como de costume, o público escolhe as cenas preferidas.
A cena mais votada da noite foi Cidadania a Gente Aprende Desde Pequeno.
E empatados no segundo lugar ficaram:
Mendigo Arte
e Novela das Seis
E confira os textos das cenas:
“CIDADANIA A GENTE APRENDE DESDE PEQUENO”.
De Diego Molina.
Na sala da diretoria. Dois garotos, JOÃOZINHO e PEDRINHO, conversam com a DIRETORA, sempre muito lúcida.
DIRETORA – Joãozinho e Pedrinho, da quarta série D, não é isso?
OS DOIS – Sim, professora.
DIRETORA – Pedrinho, o que aconteceu?
PEDRINHO – O Joãozinho me chamou de nordestino escroto filho da puta.
DIRETORA – É verdade, Joãozinho?
Joãozinho não responde.
DIRETORA – Hein, Joãozinho? Chamou o Pedrinho de nordestino escroto filho da puta?
JOÃOZINHO – Chamei...
DIRETORA – Não tem vergonha, menino? Hein? Isso é vocabulário que se diga? Hein? Isso aqui é uma instituição de respeito! É colégio caro! Não pode sair xingando o coleguinha de qualquer coisa!
JOÃOZINHO – Foi sem querer...
PEDRINHO – Sem querer nada! Ele sabe que eu nasci em Pernambuco e fica pegando no meu pé!
DIRETORA – Pede desculpas pra ele, Joãozinho!
JOÃOZINHO – Tá bom... Desculpa, Pedrinho.
DIRETORA – Não, repete o que falou pra ele. Fala: desculpa, Pedrinho, por ter te chamado de paraíba escroto cabeçudo filho da puta.
PEDRINHO – Ele não falou isso!
DIRETORA – Cala a boca que eu tô tentando te ajudar! Fala, Joãozinho!
JOÃOZINHO – Desculpa, Pedrinho, por ter te chamado de paraíba escroto cabeçudo filho da puta.
DIRETORA – Isso. Agora fala: entendo que sua mãe foi obrigada a fazer coisas desagradáveis aos olhos de Deus, mas antes ser uma vadia depravada que morrer de fome.
PEDRINHO – Professora, minha mãe é médica!
DIRETORA – Fica quieto! Fala, Joãozinho!
JOÃOZINHO – Pedrinho, entendo que sua mãe... Esqueci o resto, professora.
DIRETORA – Fala comigo, então. Pedrinho, seu ignorante de merda...
JOÃOZINHO – Pedrinho, seu ignorante de merda...
DIRETORA – Analfabeto safado e preguiçoso...
JOÃOZINHO – “Afalnabeto” safado e preguiçoso...
DIRETORA – Comedor de farinha e rapadura...
JOÃOZINHO – Comedor de farinha e rapadura...
PEDRINHO – Eu nem como isso!!
DIRETORA – Tô tentando ajudar!
PEDRINHO – Não quero mais!!
DIRETORA – Tá bom. Não quer, não quer.
PEDRINHO – Já vou...
DIRETORA – Que é isso, menino? Eu te liberei?
PEDRINHO – Já tá resolvido.
DIRETORA – Não tá não. Dá a outra cara a tapa.
PEDRINHO – O quê??
DIRETORA – Dá a outra cara a tapa! Tem que demonstrar humildade!
PEDRINHO – Mas ele não me bateu!
DIRETORA – Mas te agrediu. Verbalmente. Então é como se fosse. Não agrediu, Joãozinho?
JOÃOZINHO – Agrediu, professora!
DIRETORA – Então dá uma porrada na cara do Pedrinho, Joãozinho.
JOÃOZINHO – Oba!!
PEDRINHO – Não quero!
DIRETORA – Ô, Pedrinho! Que tipo de nordestino é você? Achei que fosse guerreiro! Lutador! Cabra macho! Não é?
PEDRINHO – Eu sou tudo isso! Quem não é macho é o Joãozinho!
JOÃOZINHO – Cala a boca!!
PEDRINHO – Não calo não! Professora, sabe o que ele tava fazendo com o Ricardinho, da terceira C?
JOÃOZINHO – Eu vou te pegar, idiota!
DIRETORA – Opa, calma aí, Joãozinho! Agora eu quero ouvir! Fala, Pedrinho.
PEDRINHO – Tava obrigando o Ricardinho a fazer espadachim com ele no banheiro!
JOÃOZINHO – Mentiroso!
DIRETORA – O que é espadachim?
PEDRINHO – É pinto com pinto!!
Tempo.
DIRETORA – Isso é verdade, Joãozinho? Tava fazendo espadachim com o Ricardinho da terceira C?
Joãozinho fica mudo.
DIRETORA – Porra, Joãozinho! Eu querendo aqui quebrar teu galho e você me vem com viadagem, cara?
JOÃOZINHO – O Ricardinho também quis!!
DIRETORA – Não, Joãozinho, não, cara! Não tá certo! O garoto ser nordestino ainda vá, porque nasceu assim. Mas viado, cara, que tu ainda pode escolher?! Aí você me sacaneia!
JOÃOZINHO – Eu só tava brincando!
DIRETORA – Brincadeira brincadeira tá aí o Leão Lobo. Taí o Jean Willys. Taí o Raul Franco. Que é que eu faço contigo, Joãozinho? Hein? Vou ter que te mostrar o caminho certo da vida? Te ensinar como é que funcionam as coisas da natureza? Pega no meu peito.
JOÃOZINHO – Não!!
DIRETORA – Não vai pegar? É peroba, então?
JOÃOZINHO – Não sou peroba!
DIRETORA – É o que, então? Esconde-cobra? Pé-de-salsa? Hein? Fala assim: eu sou morde-fronha.
JOÃOZINHO – Não falo!
DIRETORA – Diz assim: meu nome é Joãozinho da quarta série D e sou jóquei de jiboia. Hein? Não? E vampiro de linguiça?
JOÃOZINHO – Para, professora!
DIRETORA – Tá bom, eu paro. Só me responde uma coisa. Menino que é menino gosta de quê? Linguiça ou acarajé? Entendeu, né? (Faz com a mão) Linguiça é isso... Acarajé é isso...
PEDRINHO – Eu gosto de acarajé!
DIRETORA – Ainda bem, né, Pedrinho? Nordestino e viado ia ser demais! Só faltava você ser negro também. Negro, viado, nordestino e torcedor do botafogo. Aí era o cúmulo da minoria. Aliás, vocês sabem o que é cúmulo?
PEDRINHO – O Joãozinho sabe! Adora dar o cúmulo! (Ri)
JOÃOZINHO – Para!!! (Chora)
DIRETORA – Isso, Pedrinho! Tá pegando o jeito! Se você continuar melhorando assim e perder o sotaque, quem sabe um dia você vira gente?
PEDRINHO – Oba!!
Toca o sinal.
DIRETORA – Os dois, aqui, em fila! E engole o choro, Joãozinho! Hora do hino.
Toca o hino nacional.
DIRETORA – Mãos pra trás. Quando terminar o hino vamos mostrar, eu e você, Pedrinho, o que um homem deve fazer com uma mulher.
PEDRINHO – Eu quero!
DIRETORA – Quem sabe Joãozinho aprende. Né, Joãozinho?
JOÃOZINHO – Não!!
PEDRINHO – Êêêê!!!
FIM
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Mendigo Arte - de Cristina Fagundes
Exposição de arte – duas amigas se encontram.
ODETE – Maria Lúcia!
MARIA LÚCIA – Odete!
ODETE – To te procurando há meia hora!
MARIA LÚCIA – É que eu vim direto pro banheiro. Eu ando com a bexiga solta menina.
ODETE – A exposição tá bárbara, você viu os Impressionistas?
MARIA LÚCIA – Eu to te falando Odete. Só deu pra eu ver as esculturas do corredor, que eu vim correndo fazer xixi.
ODETE – Mas que galeria é essa? (sobre o local onde estão)
MARIA LÚCIA – Acho que é a parte de arte contemporânea. (Olha em volta e vê mendigo) Gente, que isso?
ODETE – Isso o quê? (tb vê) Nossa... (se aproximam do mendigo).
MARIA LÚCIA – Olha só.... (tempo - aponta o catálogo) O que que tá dizendo aí?
ODETE – Mas será que tá no catálogo?
MARIA LÚCIA – Claro que tá, olha lá, (mostra plaquinha em cima do mendigo) é o número 7.
ODETE – Hum, 7? Deixa eu ver.(olha catálogo) Ah, tá aqui ó: Mendigo em Carne e Osso portando Cachaça. Origem desconhecida. Encontrado em Copacabana. Dimensões: 1,75 em pé. Hum, nem parece né?
MARIA LÚCIA – Mas é que ele tá sentado Odete.
ODETE – Mas que interessante.
MARIA LÚCIA – Amei. (ficam olhando)
ODETE – (lê) Sobreposição de panos rasgados e poeira das ruas.
MARIA LÚCIA – Rústico né?
ODETE – Super me afetou.
MARIA LÚCIA – Ih, ele mexeu.
ODETE – Claro Maria lúcia, ele tá vivo ué.
MARIA LÚCIA – ih, ele tá me olhando.
ODETE – E agora?
MARIA LÚCIA – Será que é pra gente interagir?
ODETE – Mas como?
MARIA LÚCIA – Ele tá olhando pra minha bolsa. (tem idéia) Peraí. (pega um pacote de bolachas e oferece uma para ele) Oi... tudo bem? Você tá com fome? Quer uma?
ODETE – Que isso Maria Lúcia?
MARIA LÚCIA – Bolacha.
ODETE – Mas será que pode alimentar ele?
MARIA LÚCIA – Mas que besteira. Você não tá vendo que é uma obra interativa? É claro que pode. (pro mendigo) Quer? Toma aqui ó.
MENDIGO pega a bolacha e a come, olhando pra elas. Tempo.
ODETE – E agora? O que será que é pra fazer?
MENDIGO – Mostra os peitos novinha.
MARIA LÚCIA – Que isso?
ODETE – Gente!
MARIA LÚCIA – Será que isso faz parte da experiência?
ODETE – Não sei...
MARIA LÚCIA – Vou dar outra pra ele.
ODETE – Cuidado.
MARIA LÚCIA – Olha, eu tenho mais, quer? DÁ OUTRA BOLACHA MENDIGO COME E FICA EM SILÊNCIO.
MARIA LÚCIA – Você não vai falar nada?
MENDIGO – Levanta a saia novinha.
MARIA LÚCIA – Odete! Ele me chamou de novinha! Você viu?
ODETE – Peraí que eu também tenho uma coisa aqui. (pega um amendoim) Quer? É amendoim ó (come um) é bom ó, uma delícia... Quer? (bota um pouco na mão dele – que come – elas aguardam). E aí?
MENDIGO – Bruxa velha vazia interior eco faz.
ODETE – Não entendi. O que que ele quis dizer com isso?
MARIA LÚCIA – Acho que é tipo um biscoito da sorte. Uma frase pra pensar.
ODETE – Não gostei.
MARIA LÚCIA – Mas por quê?
ODETE – Não sei. Achei hermético.
MARIA LÚCIA – E se eu der uma esmola pra ele, o que será que acontece?
ODETE – Não é correto.
MARIA LÚCIA – Mas por quê? Ele pode usar pra fazer um lanchinho na bombonière.
ODETE – Você não tá vendo que assim ele não vai trabalhar nunca Maria Lúcia? Você não pode dar o peixe, você tem que ensinar a pescar.
MARIA LÚCIA – Mas ele já tá trabalhando, ele é uma obra de arte. Isso é uma forma de ocupação, não?
MENDIGO CANTAROLA TRECHO DA MÚSICA DA ANA CAROLINA: Odarundá rundê, oderundê rundá, no meu quarto na cozinha na sala de estar... (PÁRA DE CANTAR)
MARIA LÚCIA – Olha. Ele canta.
ODETE – e daí?
MARIA LÚCIA – Acho que ele tá falando para gente da casa dele.
ODETE – Agora você pirou na batatinha.
MARIA LÚCIA – É sim. É uma não casa Odete, ele tá evidenciando o que não há, é um discurso sobre a ausência, você não tá vendo?
ODETE – Não.
MARIA LÚCIA – Odete, você não tem sensibilidade.
ODETE – Ah, Maria Lúcia, você tem mania disso.
MARIA LÚCIA – Disso o quê?
ODETE – Toda exposição é a mesma coisa. Só você que pode ser a entendida.
MARIA LÚCIA – Até parece.
ODETE – Coisa chata. Você acha que só você que sabe tudo. Que é a rainha da cocada preta.
MARIA LÚCIA – Não sei de onde você tirou isso.
ODETE - Na exposição do Dali foi a mesma coisa. Você veio dizer que aquele bigode espetado dele era trauma de infância. Ora me poupe.
MARIA LÚCIA – Você devia estudar mais Odete. Você parece que só vem pra exposição para ficar no ar condicionado.
MENDIGO PEIDA.
MARIA LÚCIA – Credo! Acho que ele peidou.
ODETE – Por que o espanto Maria Lúcia? Mendigos peidam. A gente prende. Eles peidam. Eles não são reprimidos que nem você não.
MARIA LÚCIA – Eu não sou reprimida.
ODETE – É sim. Um xixi no mar você não é capaz de fazer Maria Lúcia. Mas eles não. Eles se permitem. São livres pra peidar, pra ir e vir, pra dormir onde quiserem, sob a luz das estrelas. Eles são livres. Você não entende? É disso que se trata essa obra Maria Lúcia. De liberdade. (pra ele) Não é?
MENDIGO – Fuck you.
MARIA LÚCIA – Nossa. Ele fala inglês.
ODETE – Será que ele já foi exposto em Nova York? (olha o catálogo)
MARIA LÚCIA – Ih, você viu o que ele fez com a língua?
ODETE – Caramba, olha isso: valor sugerido: 40 mil reais.
MARIA LÚCIA – Odete ele tá fazendo umas coisas estranhas.
ODETE – Nossa, que mendigo caro.
MARIA LÚCIA – Você acha Odete?
ODETE – Ué, você não viu a quantidade de mendigo na porta quando você entrou não? Dava pra levar uma meia dúzia pra casa de graça. E esse é 40 mil. Onde já se viu isso?
MARIA LÚCIA – Mas é uma obra de arte, você não tá vendo?
ODETE – Não tá vendo o quê?
MARIA LÚCIA – Ele é diferente Odete. Ele é único. Ai.
ODETE – Que foi agora?
MARIA LÚCIA – Ele pegou no meu cabelo. Você viu?
ODETE – Não chega perto assim Maria Lúcia.
MARIA LÚCIA – O que mais será que ele faz? (TOCA NELE)
ODETE – Maria Lúcia não toca nele. Tá falando alí que é pra não tocar. E se tiver alarme?
MARIA LÚCIA – Odete, eu vou com ele alí no banheiro.
ODETE – Você vai aonde?
MARIA LÚCIA – Você olha para mim se vem alguém tá? Se vier, você assobia.
ODETE – Perái, vão dizer que você roubou ele. Você quer ir presa?
MARIA LÚCIA – Não. Eu quero viver uma experiência artística completa. (pro mendigo) Vem comigo meu bem. (saindo com ele).
ODETE – Você tá maluca Maria Lúcia?
MARIA LÚCIA – Você não entenderia Odete.
Fim.
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Novela das Seis - de César Amorim.
TÍPICA NOVELA MEXICANA. COM TRILHA SONORA RECHEADA DE SONS IMPACTANTES DURANTE AS REVELAÇÕES.
CARTOMANTE – Branco.
ANGÉLICA – Preto.
CARTOMANTE – Preto?
ANGÉLICA – Preto.
CARTOMANTE – Ah, filha, ele pinta. Não é possível. Aqui tá bem claro. Grisalho.
ANGÉLICA – Grisalho não é branco.
CARTOMANTE – É o quê, então?
ANGÉLICA – No máximo cinza.
CARTOMANTE – Cinza. Pronto. Tá bom assim?
ANGÉLICA – Não. Porque o cabelo dele não é cinza. É preto.
CARTOMANTE – Estamos falando da mesma pessoa?
ANGÉLICA – Acho que não.
CARTOMANTE – Tou falando do homem que te come.
ANGÉLICA – Não é do meu marido?
CARTOMANTE – Claro que não.
ANGÉLICA – Ah, então, desculpa. O Geraldo, meu amante, é grisalho mesmo, mais pra branco total.
CARTOMANTE – Estava certa. Deixa voltar. Esse homem, teu amante, te fez um filho, não foi?
ANGÉLICA – Foi?
CARTOMANTE – Se não ainda, a criança deve tá apontando por aí. Vejo uma filha na sua vida.
ANGÉLICA – Impossível. Não posso mais ter filho.
CARTOMANTE – Mas você já tem uma filha, ou não?
ANGÉLICA – Tenho um filho. O Felipe. Mas ele é meu filho e do meu marido.
CARTOMANTE – Filho? Estranho... Não é isso que vejo nas cartas.
ANGÉLICA – As cartas estão dizendo que o Lipe não é filho do Osvaldo, meu marido?
CARTOMANTE – Pelas cartas, sem chance. O seu filho é filho de outro homem. E é uma filha.
ANGÉLICA – Não é possível! O meu amante é estéril.
CARTOMANTE – Então, sua filha é filha do Espírito Santo.
ANGÉLICA – Não. Ele é filho do meu marido. E eu não tenho filha, já disse.
CARTOMANTE – Impossível. Está nas cartas. E elas não mentem. Você não pulou a cerca?
ANGÉLICA – Pulo a cerca há anos, mas sempre pro mesmo quintal.
CARTOMANTE – Bom, se não é do seu amante, não faço ideia de quem seja. De seu marido não é.
FELIPE ENTRA.
FELIPE – Eu posso explicar tudo, mamãe.
ANGÉLICA – Felipe, filho. O que você faz aqui?
FELIPE – Eu sei de quem eu sou filho, mamãe.
CARTOMANTE – Você é o filho dela?
FELIPE – Sou sim, Madame Zoraide.
CARTOMANTE – Mas você foi adotado.
ANGÉLICA – Adotado?
FELIPE – Adotado, mamãe.
ANGÉLICA – Por quem, meu Deus? Que história é essa?
FELIPE – Fui adotado por papai.
ANGÉLICA – Que loucura é essa, Lipe?
FELIPE – Não é loucura, mamãe. Aliás, você não é minha mãe.
ANGÉLICA – Deixe de maluquice! Você já conhecia Madame Zoraide?
CARTOMANTE – Ele veio aqui semana passada.
FELIPE – Fui eu que lhe dei o contato dela, mamãe.
ANGÉLICA – Não lembro...
CARTOMANTE - Ah, essa é a sua mãe que sofre de perda de memória...
FELIPE – É ela sim, Madame Zoraide. A memória dela só vai até a semana anterior.
CARTOMANTE – Que triste. Eu entendo bem o que é isso...
FELIPE – Eu sei.
ANGÉLICA – Minha memória o quê? Vocês podem me explicar o que está acontecendo aqui?
FELIPE – Mamãe, a senhora sofreu um acidente há muitos anos e perdeu a memória recente. Toda semana, a gente tem que explicar pra senhora quem a senhora é e quem somos nós. Já faço isso há muitos anos.
ANGÉLICA – Então, você sabia que era adotado?
FELIPE – Sempre soube. E foi isso que me fez acreditar no poder da Madame Zoraide. Ela me falou isso assim que me viu.
ANGÉLICA – E o Osvaldo, meu Deus! Ele sabe disso?
FELIPE – Sabe sim, mamãe. Ele me confessou tudo. Ele e o Geraldo me contaram.
ANGÉLICA – O Osvaldo conhece o Geraldo? Meu Deus, estou perdida. Eles já sabem de tudo, então?
FELIPE – De que a senhora é amante do Geraldo?
ANGÉLICA – Você também sabe?
FELIPE – Sei sim, mamãe. E também sei que isso é mentira.
ANGÉLICA – Mentira? Ah, claro que o Geraldo desmentiria essa história. Ele não é homem pra assumir.
FELIPE – Pelo contrário, mamãe. Ele é homem pra assumir sim. Ele assumiu tudo. Só que a senhora nunca foi amante dele.
ANGÉLICA – Claro que fui. Claro que sou. Eu amo o Geraldo.
FELIPE – E ele ama meu pai. Você e o Geraldo são apenas amigos.
CARTOMANTE – O valete duplo na sua vida, rapaz! Sabia que tinha babado nessa história.
FELIPE – Foi por causa da descoberta do caso deles que a senhora sofreu o acidente que lhe afetou a memória. Daí a senhora distorceu tudo e passou a achar que eu era seu filho e que o Geraldo era seu amante, quando na verdade ele é amante do meu pai.
ANGÉLICA – Isso não é possível.
FELIPE – A senhora diz isso toda semana, já tou acostumado.
ANGÉLICA – Então, você não tem mãe?
FELIPE – Sempre gostei da senhora como de uma mãe. Mas queria descobrir quem era minha mãe de verdade, por isso vim aqui em Madame Zoraide.
ANGÉLICA – E ela lhe disse quem é sua mãe?
FELIPE – Não. Isso ela não soube dizer. Mas eu vim aqui já sabendo quem era, só precisava da confirmação. Foram anos de investigação. Graças ao Facebook, encontrei a Ritinha.
CARTOMANTE – Minha filha?
ENTRA RITINHA.
RITINHA – Sim, mamãe.
CARTOMANTE – E o que a Ritinha tem a ver com isso?
FELIPE – O acidente que minha mãe sofreu foi por causa da senhora, Madame Zoraide.
CARTOMANTE – Como é?
RITINHA – Ela atropelou a senhora, mamãe. E vocês duas perderam a memória.
CARTOMANTE – Isso eu sei. Então, foi ela? Minha memória só vai até o dia do acidente, nada mais que isso... Meu passado remoto é um mistério.
RITINHA – A senhora foi atropelada no dia que tinha descoberto o paradeiro do seu filho.
CARTOMANTE – Eu tenho um filho? Que história é essa, Rita? Só tenho você.
RITINHA – Não, mamãe. A senhora teve outro filho, que deu pra a adoção há muitos anos. Antes do acidente, a senhora vivia em busca dele. E tinha descoberto o paradeiro dele naquele dia fatídico.
CARTOMANTE – Você está querendo dizer que...
FELIPE – Que eu sou seu filho, Madame Zoraide!
ANGÉLICA – Não! Isso não é possível!!
FELIPE ABRAÇA A CARTOMANTE, QUE FICA PERPLEXA. ANGÉLICA PÕE A MÃO NA CABEÇA, PARECE SENTIR DOR.
CARTOMANTE - Eu tenho dois filhos, meu Deus!
RITINHA – Não, mamãe. Só tem um. Eu não sou sua filha!
FELIPE E CARTOMANTE – O quê?
RITINHA – Eu fui adotada pela senhora para suprir a falta do seu filho verdadeiro. Também tenho investigado a minha vida inteira. E por essas coincidências que só acontecem em novela, a minha verdadeira mãe é... dona Angélica.
FELIPE E CARTOMANTE – Não!
RITINHA – E tudo o que eu queria saber era por que ela me abandonou quando nasci? E quem é meu pai?
TODOS OLHAM PARA ANGÉLICA.
ANGÉLICA – O que estou fazendo aqui? Que lugar é esse? Quem são vocês?
FIM.
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